quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A nova classe média mundial

Por Paulo Rubem

Retomando o necessário debate sobre a inserção do Brasil na economia mundial, destacando-se sobretudo as formas e vantagens dessa inserção, trazemos , mais uma vez, um novo e excelente artigo publicado hoje no jornal "Folha de São Paulo", de autoria do Economista Paulo Rabello de Castro, no Caderno "Dinheiro" do jornal paulista.

Como sempre o autor lança elementos para a reflexão, bem mais além e de forma mais profunda que o costume adotado pela maioria dos articulistas de colunas e de matérias de economia, muitas das vezes, nas quais, se enfatizam os aspectos superficiais, dando ênfase à euforia e à unanimidade das opiniões trabalhadas.

Boa leitura e boa reflexão.

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O salto da classe média no Brasil é derivado do "empurrão" que nos fez sair do buraco do endividamento externo
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NA CHINA , eles não passavam de 1% da população ao início dos anos 90. Hoje, em pleno momento olímpico, eles são cerca de 35%. Em 2020, serão a imensa maioria, 70%. A classe média ascendente na China é o grande fenômeno social dos últimos 20 anos. E continuará crescendo em volume surpreendente, pelos próximos 30 anos, não só lá como principalmente na Índia, cuja classe média saltou de 1% para 5% em apenas uma década e comporá a maioria da população por volta de 2030.

A expansão espetacular da classe média no mundo emergente e a forte redução da desigualdade em nível mundial na primeira metade deste século são conclusões do novo estudo de Dominic Wilson (com Raluca Dragusanu), da corretora Goldman Sachs. Wilson, o mesmo que assinou o estudo original de 2003 sobre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), acaba de publicar o paper nº 170 "The Expanding Middle", que traz importante contribuição ao entendimento da superação da pobreza por largas camadas da população mundial. A faixa considerada como classe média naquele estudo é praticamente a mesma usada pela Fundação Getulio Vargas no trabalho de Marcelo Neri (R$ 1.064 a R$ 4.591 de renda mensal). Pelas projeções de Dominic Wilson, a classe média mundial terá 2 bilhões de pessoas a mais, nos próximos 22 anos, algo como 80 milhões por ano. E o pico dessa inserção social é entre hoje e 2035.

O fenômeno mundial da classe média emergente, na Ásia principalmente, passou a acelerar a demanda por tudo o que essa faixa de renda pode consumir. E isso foi bater direto no preço dos commodities agrícolas e minerais que o Brasil ajuda a suprir ao mundo. De 2003 para cá, foi a ascensão da classe média mundial que ajudou a "puxar" o consumo das classes C e D no Brasil e nos nossos vizinhos.

Portanto, duas conclusões são inescapáveis: primeiro, o salto recente da classe média brasileira, comemorado até com certa ingenuidade, como conquista nacional, antes de ser decorrente de políticas sociais internas de amplo alcance, é derivado do "empurrão" que nos fez sair do buraco do endividamento externo das últimas décadas. As políticas de salário mínimo, Bolsa Família, INSS e crédito consignado têm até colaborado para isso. Mas não teriam feito milagre sem o excepcional aumento da demanda mundial, coincidente com a era Lula.

Segunda conclusão: excluindo os estímulos do câmbio e do comércio exterior, o Brasil ainda está devendo políticas de efetiva e rápida distribuição da renda interna. O juro alto, anormal, aqui praticado, mata mais oportunidades de ascensão dos pobres do que todas as políticas sociais compensatórias, criadoras de renda para essas classes. As poupanças familiar e empresarial não têm canais adequados de acumulação, outra distorção em desfavor da classe média, roída pela carga tributária mais pesada do mundo. Olhando mais para a frente, tampouco parece razoável afirmar que o Brasil tenha um plano e metas educacionais compatíveis com uma suposta diferenciação para melhor, ante a competição dos emergentes asiáticos.

Apenas do capítulo "sorte" temos sido inequívocos campeões mundiais. Por quanto tempo mais? Com uma política econômica curto-prazista, calcada no país como supridor de commodities, o Brasil se limita a tirar vantagem da maior escassez de recursos minerais e agropecuários, sem a devida prioridade em investimentos no elemento humano, para assim consolidar sua classe média.



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PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br

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