terça-feira, 5 de agosto de 2008
REFORMA TRIBUTÁRIA : QUEM VAI PAGAR A CONTA
Por Paulo Rubem
Depois de duas semanas de recesso o blog volta ao debate dos temas de interesse da sociedade brasileira, sobretudo para os assalariados e as famílias que gastam a maior parte de suas rendas no consumo doméstico. Como sabemos, está em debate no Congresso Nacional uma Proposta de Reforma Tributária enviada pelo Presidente LULA.
Fui membro da Comissão Especial que analisou a la. proposta enviada em 2003, mas dessa vez não obtivemos vaga para integrar a comissão que analisa a atual iniciativa.
Mesmo assim estamos de olho no debate e trouxemos aqui para vocês a excelente matéria publicada no site do IPEA ( www.ipea.gov.br) e que remete, no final, à integra do estudo desenvolvido por essa importante instituição.
Para ilustrar a matéria tomamos emprestada a charge de Lane que anima esse texto.
Segue o texto. Boa leitura e boa reflexão.
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Quem vai pagar a conta?
Por Edla Lula, de Brasília
O Brasil possui um sistema tributário marcado pela regressividade - quem ganha mais paga menos do que quem ganha menos, o que torna a cobrança de impostos mais injusta do ponto de vista social. Isso ocorre porque a carga se concentra nos impostos sobre o consumo e não considera a renda de quem compra o produto.
"Dois terços da nossa carga tributária são, grosso modo, cobrados sobre consumo e um terço, sobre renda e patrimônio", diz Fernando Gaiger Silveira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nos países desenvolvidos, acontece o inverso: a tributação sobre a renda é muito mais elevada que a tributação sobre o consumo. Assim, os tributos naqueles países se caracterizam pela progressividade, com pobres pagando menos do que os ricos.
"Um sistema tributário justo trata os desiguais como desiguais", acrescenta Gaiger, ao citar países escandinavos, onde até mesmo uma multa de trânsito "pesa mais para o dono de uma BMW do que para o dono de um fusquinha".
Outro pesquisador do Ipea, Cláudio Hamilton dos Santos, afirma que, embora no geral o tamanho da carga tributária bruta brasileira seja próximo da média dos países desenvolvidos, é maior do que a dos países em desenvolvimento. Além disso, a sua composição e o uso são diferentes. "Infelizmente a proporção de impostos sobre a produção e o consumo - notoriamente regressivos - na nossa carga tributária é bem maior do que na de países desenvolvidos."
Santos é autor do texto para discussão (TD) intitulado "Carga Tributária Brasileira entre 1995-2007: tamanho, composição e especificações econométricas" - em parceria com Márcio Bruno Ribeiro e Sérgio Gobetti, da Universidade de Brasília (UnB). Ele diz que mesmo os tributos diretos no Brasil têm um baixo grau de progressividade.
REPARTIR O BOLO A carga tributária é constituída por tributos diretos, que incidem sobre a renda e o patrimônio, e por tributos indiretos, que incidem sobre o consumo. Fazem parte dos tributos diretos as contribuições previdenciárias, o Imposto de Renda, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o Imposto Territorial Rural (ITR) e o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Entre os indiretos estão o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre Combustíveis (Cide-Combustíveis).
Segundo dados do Ipea, os 10% mais pobres da população brasileira sofrem uma carga total equivalente a 32,8% da sua renda, praticamente um terço de todos os seus ganhos brutos, enquanto os 10% mais ricos, de apenas 22,7%.
Especialistas indicam que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que trata da reforma tributária, atualmente em discussão no Congresso Nacional, não contempla mudanças que contribuam, de imediato, para a justiça tributária. Para que isso acontecesse, precisaria diminuir a carga e tornar o sistema mais progressivo. A disputa no Congresso está voltada para a distribuição do bolo arrecadado e não com a distribuição do peso dos impostos sobre os contribuintes.
"Não me parece que as mudanças propostas pela PEC alterem significativamente o que temos hoje em relação à obediência aos princípios constitucionais que regem a tributação como a capacidade contributiva e a progressividade", opina o diretor de estudos técnicos do Sindicato Nacional dos Auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Luiz Antônio Benedito.
ESQUIZOFRENIA Crítico da PEC, o advogado tributarista e ex-secretário da Receita Federal Osíris Lopes Filho diz que o intuito do governo é meramente arrecadatório e qualifica como uma "esquizofrenia tributária" o projeto. "No estado esquizofrênico, se criam realidades inexistentes. É terrível, porque se cria essa realidade inexistente e se mora dentro dessa realidade", diz.
Para ele, o governo, além de "morar" nessa realidade, está tentando convencer a população de que será melhor para o país. "O pobre contribuinte já não deve ser chamado de contribuinte, mas de padecente tributário, tamanha é a extorsão em relação a ele", diz. Segundo Lopes Filho, está explícita na PEC a intenção expansionista do governo, interessado em controlar ainda mais os impostos.
Santos, do Ipea, diz que teve o cuidado de contar quantas vezes os termos "eficiência", "produtividade", "competitividade", "justiça", "eqüidade" e "regressividade" aparecem na Cartilha da Reforma Tributária, disponibilizada pelo Ministério da Fazenda. "Os três primeiros termos aparecem 13 vezes, enquanto, dos três últimos, só ?regressividade? aparece no texto, e mesmo assim apenas duas vezes". Ele julga legítima a decisão do governo de primeiro tratar da eficiência, mas vê falhas quanto à promoção da justiça.
"Qualquer cidadão que já tenha tentado abrir uma empresa sabe da dificuldade que é ter que lidar com a complexidade do sistema tributário brasileiro. Propostas de unificação e simplificação de impostos e legislações tributárias são, portanto, sempre muito bem-vindas, assim como também são medidas que procurem acabar com a guerra fiscal entre os entes da federação. Mas apenas isso não é suficiente. Há que se enfrentar também a questão da eqüidade", afirma.
DEFESA O deputado federal Sandro Mabel (PR/GO), relator da PEC, diz que, "no frigir dos ovos, a reforma vai beneficiar a população e reduzir a carga", ao permitir uma simplificação do sistema ao longo do tempo. "Ela vai dar competitividade às empresas, e, com a nota fiscal eletrônica, vai diminuir a sonegação. Combinando essas duas coisas, o governo vai arrecadar mais e assim atingirá o teto de carga tributária. Ao atingir esse teto, tem que desonerar", raciocina. Segundo ele, cairão os impostos indiretos cobrados sobre os alimentos, medicamentos e energia elétrica, por exemplo.
O fim da guerra fiscal, como também a mudança da cobrança do ICMS da origem para o destino, pode, futuramente, implicar redução nos tributos indiretos. É o que acredita Gaiger. "É fato que no momento em que se transformar o ICMS estadual em um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) conjunto, com alguns graus de alíquota e pôr o IVA estadual cobrado no destino, será possível permitir que a cesta básica seja desonerada em todo o país", diz.
Ele relembra que atualmente só estados com base arrecadatória melhor, ou seja, estados ricos e grandes produtores, têm uma margem para desonerar. "A partir do momento em que o IVA for comum, o Piauí, por exemplo, vai passar a receber mais recursos porque vai arrecadar em sua base de consumo e não em sua base produtiva. Possivelmente, assim vai haver uma desoneração de medicamentos, remédios e alimentos, que pressionam muito os orçamentos dos mais pobres no Brasil. Então, poderemos ter algum ganho de justiça tributária."
Outro aspecto da proposta do governo que tornaria o sistema mais justo, para Santos, é a mudança dos critérios de partilha do ICMS com os municípios. "Não há nenhum bom motivo para que um município X receba recursos muito maiores do que seus vizinhos Y ou Z simplesmente porque há uma refinaria da Petrobras ou uma montadora de automóveis instalada nele", afirma.
RENÚNCIA FISCAL Embora diga que há redução de carga na proposta de reforma em discussão no Congresso, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, defende que o propósito, no momento, não é discutir o peso dos impostos, mas a sua racionalidade e eficiência. Com um sistema mais consistente e simplificado, num segundo momento, pode-se diminuir a carga.
A proposta de reforma prevê a redução gradual da contribuição patronal, entre 2010 e 2015, de 20% para 14%. Além disso, cai a contribuição para o salário-educação, que até 2015 vai reduzir os impostos sobre a folha em 8,5 pontos percentuais. O intuito é permitir que, com o fim dessas cobranças, haja mais contratações. A renúncia fiscal, pelos cálculos de Appy, será de R$ 24 bilhões.
Do outro lado, os tributaristas fazem as contas e acreditam em uma possível elevação dos tributos indiretos que compensariam a perda do go verno. "Creio que poucos discordariam da afirmação de que o foco da proposta de reforma tributária do governo não é o aumento da eqüidade do sistema tributário brasileiro. Em particular, a provável elevação do peso dos impostos indiretos na carga tributária com muita certeza a tornará ainda mais regressiva do que já é", pondera San tos, do Ipea.
PROGRESSIVIDADE Para tor nar mais progressivo o sistema tributário brasileiro, os analistas sugerem algo que não está na reforma: aumento da tributação sobre a renda, considerada tributação direta, acompanhada da redução dos impostos indiretos. Do lado da renda, a idéia é que sejam criadas mais faixas de alíquotas. Pelo regime atual, o Imposto de Renda possui apenas duas faixas de tributação, a mínima de 15% e a máxima de 27,5%. Entre os que defendem a ampliação do número de faixas está o presidente do Ipea, Marcio Pochmann. "A primeira faixa é alta e a última, baixa", diz.
O Ipea compara o Brasil com outros países e mostra que há espaço para avançar do ponto de vista da justiça tributária, usando o Imposto de Renda como instrumento. Precisamos ter mais faixas no Imposto de Renda.
Quantas? É uma decisão política. Pochmann cita Estados Unidos e Europa, onde há muito menos desigualdade do que no Brasil e as alíquotas são muitas. "A experiência internacional de países que atuam para dar mais justiça tributária indica que o modelo é ter mais faixas com menos tributação nas rendas menores e mais carga nos níveis mais abastados, perto dos 40% ou 50%", sugere.
Na França, há 12 faixas, com a alí quota mínima de 5% e máxima de 57%. Na Bélgica, com cinco faixas, as alíquotas variam de 5% a 55%. A vizinha Argentina adota o regime com sete faixas, que vão de 9% a 35%.
No Chile, são seis faixas, com alíquotas de 5% a 45%. No Brasil já foi assim, recorda Pochmann. "O regime militar, por exemplo, tinha política de Imposto de Renda mais voltada para a redução da iniqüidade. Chegamos a ter 13 faixas de tributação e os níveis mais baixos pagavam menos imposto que atualmente."
CALIBRAGEM Para o auditor fiscal e diretor- adjunto de estudos técnicos do Unafisco, Roberto Barbosa de Castro, "é preciso cautela" na hora de definir as alíquotas, sob pena de se estar incitando a desobediência civil e a sonegação de impostos, além de inibir a própria atividade econômica. Ele afirma ser favorável à elevação das alíquotas do Imposto de Renda, porque considera um bom instrumento para utilizar a capacidade contributiva das pessoas, mas alerta ser preciso encontrar a calibragem certa.
"Temos esse ideal quase socialista de que quem ganha mais deve contribuir proporcionalmente mais do que quem ganha pouco. Mas, do ponto de vista econômico, há uma série de condicionantes e limitantes que devem ser levados em conta, até para não desestimular determinadas atividades econômicas, como alguns serviços", diz. Segundo ele, para promover este tipo de alteração não será necessário alterar a Constituição Federal, e sim será suficiente agir nas legislações infraconstitucionais.
Mas, na opinião de Gaiger, do Ipea, a idéia de criar novas faixas de alíquotas no Imposto de Renda encontra mais resistência entre os legisladores do que a atual reforma. "Essa PEC não tem muita chance de passar. Mas ela tem menos resistência do que medidas destinadas a dar mais progressividade ao sistema", avalia o pesquisador. "Em um país com a distribuição de renda como o nosso, aqueles que têm a riqueza e se utilizam de vários subterfúgios legais fazem com que valham os seus interesses na normatização e na legislação."
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