terça-feira, 29 de janeiro de 2008

TRANSGÊNICOS E O MILHO DE DONA EUNICE

Por Paulo Rubem Santiago

Dona Eunice mora em Pernambuco. Mora numa cidade chamada Lagoa Grande. Essa cidade fica no sertão do São Francisco. Saindo do Recife, é a última cidade na beira do rio, antes de chegarmos a Petrolina.

Dona Eunice, que mora em Lagoa Grande, mora num distrito daquela cidade chamado Jutaí. Nesse distrito, por onde a gente passa quando vai para a cidade de Afrânio, há um Sítio chamado Caldeiraozinho. Quando a gente chega na casa de Dona Eunice vê uma cisterna de placa do lado direito da casa e uma antena parabólica. Ao entrarmos pelo lado direito da casa, na sala, do lado esquerdo, vamos para a cozinha.

Na cozinha, empilhadas ao lado da parede, no chão, estão garrafas PET cheias de sementes das mais variadas espécies de milho e feijão. É dali que Dona Eunice tira o sustento para plantar em sua terrinha o milho que faz parte da base alimentar e do comércio da agricultura familiar em todo o País, sobretudo no nordeste.

Dona Eunice tem um de seus filhos, o Mazinho, como um dos maiores artesãos de madeira do Estado. O "atelier" de Mazinho é perto de casa, embaixo de uma árvore, onde ele faz suas peças com duas facas rústicas, afiadas, levando-as para feiras e exposições em Pernambuco e em outros estados.

Dona Eunice não conhece o Ministro da Agricultura nem o da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende. Não conhece Monsanto, Syngenta nem outras multinacionais que concentram a produção de sementes transgênicas e que querem comandar o mercado agrícola no País como já o comandam em muitas partes do mundo.

Dona Eunice, certamente, contudo, já ouviu falar na EMBRAPA, que tem uma estação de pesquisa ali perto, em Petrolina.


Dona Eunice, porém, sabe, como ninguém, qual a importância da preservação desses espécies de sementes que guarda em garrafas PET na sua cozinha.Sabemos nós que Dona Eunice faz parte de um conjunto de milhões de agricultores que jamais poderão pagar royalties para as multinacionais, como afirmou o Sr. Reinold Sthefanes.Ela e seus antepassados chegaram primeiro nesse País, bem antes que as multis que sonham como o monopólio e a ditadura das sementes.

Dona Eunice não exporta milho nem, certamente, sabe o que é uma "commoditie" agrícola. Sabe, porém, que desde seus bisavós, é daquele milho que ela guarda, é daquelas sementes que ela seleciona, que sai o seu sustento alimentar e um pouco de sua renda familiar.

Admitir que sementes transgênicos sejam comercializadas no país é, à médio e longo prazo, decretar a escravidão da agricultura familiar aos interesses econômicos das multinacionais. O discurso do aumento da produtividade é cínico, típico de gente de mente colonizada, num país que pode, mesmo que imprima o estudo e a produção de sementes geneticamente modificadas, fazê-lo a partir das pesquisas de suas instituições, como a EMBRAPA, os Institutos Estaduais, como o IPA, de Pernambuco, entre outros, em vez de comprar tecnologia e impor monopólio aos agricultores brasileiros.

Além disso,alegar que sem a liberação agora, quando é constatada a existência de sementes contabandeadas, haverá o caos amanhã é fazer coro com a famosa e inoportuna frase da Ministra do Turismo ante a crise aérea de meses atras:

- Relaxa e goza !

Dona Eunice vai continuar guardando e aperfeiçoando suas sementes a cada lavoura que colher. E que cada um de nós reaja a essa tentativa neocolonial de fazer valer os interesses econômicos das grandes multis da agricultura, num discurso travestido de produtividade e de providência ante o contrabando iminente de sementes.

ps. Dona Eunice não é um personagem de ficção. Ela existe e temos inclusive seu telefone de contato e o de Mazinho ( que conheci após exercer a Relatoria do Estatuto do Artesão, na Comissão de Educação da Câmara Federal em 2006-2007).

Abaixo o blog transcreve a matéria de hoje, no jornal "Folha de São Paulo" que trata da possível liberação da comercialização de sementes de milho transgênico.

Ministro reconhece plantio ilegal de milho transgênico

Conselho de ministros se reúne hoje para analisar a liberação de duas variedades, em análise há quase dez anos

Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia) e Stephanes (Agricultura) defendem aval; Anvisa e Ibama são contra conceder autorização


MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sem autorização legal, produtores rurais já plantam variedades de milho geneticamente modificadas em lavouras clandestinas, informou o ministro Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia). "Isso está acontecendo principalmente no Sul e no Centro-Oeste, já existem plantações com sementes contrabandeadas", disse o ministro à Folha. Na reunião de hoje do Conselho Nacional de Biossegurança, Rezende é um dos principais defensores do aval imediato à comercialização de duas variedades de milho transgênico produzidas por multinacionais.
Principal aliado de Rezende no debate dos transgênicos, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, confirma que o milho vai pelo mesmo caminho das duas únicas variedades de soja e algodão geneticamente modificadas cuja comercialização é autorizada do país: elas foram liberadas apenas depois de constatado o cultivo ilegal.
"Não obstante toda a fiscalização, acontece o contrabando", disse Stephanes. Segundo ele, o ministério não dispõe de estimativas de quanto as culturas ilegais produzem atualmente. O ministro defendeu a rápida liberação das variedades de milho: "É melhor legalizar dentro de regras claras, que protegem o ambiente, do que sermos levados de roldão".
Entre os 11 ministros que integram o CNB (Conselho Nacional de Biossegurança), Stephanes é o relator dos dois recursos apresentados contra a liberação de duas variedades de milho da Bayer e da Monsanto. Foram as primeiras a obter parecer técnico favorável da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), no ano passado. Em meio a liminares da Justiça, a comissão deu parecer favorável à liberação comercial de uma terceira variedade, da Syngenta.
Os recursos são assinados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Alegam o risco de contaminação de culturas convencionais, a falta de regras suficientes de monitoramento do plantio, transporte e armazenagem, além da insuficiência de dados sobre efeitos na alimentação humana e de animais.
As lavouras de milho ocuparam no ano passado uma área de 13,8 milhões de hectares. Da produção nacional de 51,5 milhões de toneladas, a maior parte é destinada à ração animal e apenas 5% são usados diretamente como alimento humano, segundo dados do Ministério da Agricultura.
O parecer de Stephanes insistirá em que custos mais elevados das sementes geneticamente modificadas (os produtores têm de pagar royalties às multinacionais donas das patentes) são compensados pela queda de gastos com a compra de herbicidas e a redução de perdas por pragas. Mas o principal argumento dos defensores dos transgênicos é que variedades semelhantes às em análise pelo conselho são comercializadas sem problemas há uma década nos Estados Unidos e Argentina, entre outros países.
"Essa demora prejudica a agricultura brasileira", avalia Sérgio Rezende, confiante na posição favorável do conselho. Caso contrário, especula, "teremos um cenário surrealista". Representantes da área ambiental do governo Lula avaliam que prognóstico de Rezende pode se confirmar hoje, apurou a Folha.
Se o CNB autorizar a comercialização, as sementes de milho só estarão liberadas para a safra de 2009, prevê o presidente da Abramilho, a associação dos produtores, Odacir Klein. Ele afirmou desconhecer casos de pirataria de sementes, mas defendeu que o milho não deve repetir a história da soja.

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