terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O CUSTO SEM BENEFÍCIO DO INCENTIVO FISCAL

O blog reproduz matéria da jornalista Cláudia Safatle, disponibilizado no site da ANEFAC ( www.anefac.com.br ).

O tema nos é bastante conhecido, desde as lutas que desenvolvemos na Assembléia Legislativa de Pernambuco, entre 1995 e 2002, para fiscalizar o PRODEPE, Programa de desenvolvimento de pernambuco, suscedâneo do Fundo Cresce Pernambuco, criado no começo dos anos 90.

O assunto volta à tona quando sabemos ( o blog tratou disso dias atrás ao analisar a crise dos cartões coorporativos alertando para um problema ainda maior-os incentivos fiscais )que com a reforma tributária novos benefícios poderão ser criados, tornando-se permanentes, e não mais incentivos temporários, como a redução de alíquotas e outras vantagens às empresas.

Boa leitura e boa reflexão.
Segue a matéria
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Por Claudia Safatle*

Os governos são, em geral, benevolentes na concessão de incentivos fiscais para setores específicos, seja para ajudar uma indústria a nascer, para estimular sua expansão ou para evitar que entre em crise e produza desemprego. Nos Estados, a prática não é diferente. Trava-se uma verdadeira guerra fiscal para atrair empresas ou para desestimular sua migração para outros Estados mais generosos. Pouco se sabe sobre os custos e os ganhos que essa política produz.

Um estudo singular, elaborado pela Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro, sob coordenação do economista Sérgio Guimarães Ferreira, subsecretário de Estudos Econômicos, procura medir os custos e benefícios de um programa de incentivo fiscal através do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que entrou em vigor em 2003 para estimular o comércio atacadista no Estado, o RioLog. Procurar saber quanto custa uma política de incentivos fiscais é uma iniciativa, se não inédita, certamente muito pouco comum. O resultado, como se pode imaginar, é decepcionante, atesta Ferreira.


A escolha do segmento atacadista decorreu do fato de ser este um setor de alta elasticidade de oferta e bastante sensível à variações de alíquotas de ICMS. Os técnicos usaram duas metodologias para a execução do trabalho - a econométrica, envolvendo o período de 2000 (antes do programa) a agosto de 2007, e a de receita não recolhida. Os cálculos foram feitos com base nas informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), da Guia de Informações e Apuração do ICMS (GIA), da base de dados da arrecadação e do cadastro de inscrições e razões sociais das empresas beneficiárias do RioLog.


Com esse programa, que passou a tratar um universo de 45 empresas elegíveis a partir de 2004, o governo do Rio começou a reagir à chamada guerra fiscal, principalmente contra Goiás e Espírito Santo. Por ele, as empresas atacadistas sediadas no Rio recebem incentivos através do crédito presumido, da redução da base de cálculo do ICMS e do diferimento do imposto. O que se desejava com o RioLog era que as empresas não migrassem para os Estados que já estavam concedendo incentivos de forma mais agressiva, que adensassem a cadeia produtiva e que, além de manter o número de empregos, pudessem expandi-los.




A primeira constatação do estudo foi que o programa gerou queda de 88% na arrecadação de ICMS pelas firmas enquadradas. Mas, além desse custo, produziu um acúmulo de créditos tributários contra o Estado do Rio. Hoje, 20 empresas atacadistas permanecem no programa. Muitas foram desenquadradas por descumprirem os acordos. Essas duas dezenas de firmas faturaram, em 2006, R$ 791,8 milhões e, se não estivessem no programa de incentivos fiscais, teriam que pagar R$ 45,1 milhões de ICMS (alíquota efetiva de 5,7%). Com os incentivos e mais o acúmulo de créditos tributários, o recolhimento, de fato, não passou de R$ 200 mil. O crédito presumido em 2006 representou R$ 17,6 milhões e a redução da base de cálculo, outros R$ 27,3 milhões, perfazendo um custo fiscal de R$ 44,9 bilhões.


O grupo que elaborou o trabalho mapeou os benefícios que deveriam ter sido produzidos pelo programa, medidos pela geração de empregos e pelo índice de valor adicionado (faturamento dividido pelas compras). Não houve aumento do número de empregados nas empresas. A legislação do RioLog condiciona o acesso aos incentivos fiscais à manutenção do número empregados existente seis meses antes do enquadramento no programa.


Não houve crescimento da oferta de empregos, mas houve aumento do turnover da mão-de-obra. As empresas contratam mais e demitem mais, sem alterar o estoque de empregos, e os trabalhadores das empresas que têm incentivos recebem salário, em geral, 17,6% inferior ao dos trabalhadores das empresas que não participam do programa. Já o impacto do RioLog sobre a agregação de valor no setor atacadista tem sido insignificante, atesta o estudo. Compras e vendas totais não aumentaram. Ao contrário, houve queda. E as compras internas, no Estado do Rio, registraram crescimento de apenas 2%, o que não compensa a perda de arrecadação.


As firmas que procuraram o Estado ameaçando com a saída para outros Estados acabaram, na prática, saindo, mesmo tendo recebido o incentivo, conclui o trabalho, que agora deverá ser estendido para outros setores econômicos. Ou, como diz o subsecretário de estudos econômicos da Fazenda, o incentivo fiscal não adiantou nada.


Para Ferreira, uma única medida - que está sob consideração no âmbito da morosa reforma tributária - poderia resolver essa corrida ao fundo do poço em que os governadores se meteram com a guerra fiscal: a alíquota interestadual do ICMS deveria cair de preferência a zero. Como zerar é difícil, a alternativa posta em discussão no projeto de reforma é uma alíquota decrescente: hoje ela é de 12% e cairia gradativamente até chegar a 4% em 2012. Na prática, alguns governadores já estão fazendo algo com efeito semelhante a isso (São Paulo e Minas Gerais, por exemplo), ao não reconhecerem a integralidade dos créditos tributários acumulados na origem (em outro Estado).


O secretário de Fazenda, Joaquim Levy, assinalou que o trabalho não faz, a priori, qualquer recomendação. Sua intenção, primeiramente, é informar, informar e informar os contribuintes sobre as políticas públicas. Ele considerou esse estudo um primeiro passo para um debate construtivo, que joga uma luz sobre as distorções da guerra fiscal e como ela desenha leis e projetos que não beneficiam a ninguém.


Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras. claudia.safatle@valor.com.br

Artigo publicado no jornal Valor Econômico.

Um comentário:

Anônimo disse...

Na verdade, não se trata apenas de Guerra Fiscal, trata´se de "ESTELIONATO FISCAL". Não é preciso andar muito para vermos em vários estados, empresas abrindo salinhas em que constituem o "seu estabelecimento" e fazem operações de triangulação com notas que vão e que voltam e mercadoria que na maioria dos casos não saem do estado de origem. severinocostajr@ibest.com.br