O Blog publica a entrevista do cientista político Adriano Oliveira, divulgada na Folha de Pernambuco do dia 21 de outubro.
É uma provocação para a reflexão.
Paulo Rubem Santiago.
Entrevista
Folha de Pernambuco, 21/10/2007
Cientista: Estado não combate crime
Tiago Barbosa
A expressão “crime organizado” é uma coqueluche dos noticiários brasileiros. De investida de facções pelos recantos do País a golpes que oneram os cofres públicos orquestrados por políticos, a criminalidade travestida em estrutura definida ganha notoriedade à medida que desafia as autoridades em segurança pública. Durante quatro anos, o professor, cientista político e vice-coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Adriano Oliveira, se debruçou sobre o tema. A sua tese de doutorado virou livro que, amanhã, é lançado na Livraria Cultura, do Paço Alfândega, no Recife Antigo, às 19h. Tráfico de Drogas e Crime Organizado - peças e mecanismos é o resultado de uma pesquisa feita na Europa, Estados Unidos e em seis estados brasileiros. Nesta entrevista, o autor fala sobre a obra, critica a política de segurança do Governo estadual e cobra a responsabilidade do Ministério Público.
Qual a definição de crime organizado?
Parte do básico: a união de duas ou mais pessoas para cometer atividade ilícita. Mas o que diferencia uma organização da outra? A relação com o Estado. Quanto mais ela consegue apoio na polícia, no poder judiciário, no legislativo, no ministério público e também no executivo, mais detém poder. Em Pernambuco, nós temos crime organizado. Temos corrupção pública. Basta olharmos denúncias do Ministério Público mais recentes em relação às prefeituras. Temos, também, crime organizado, de menor porte, em comunidades pobres, basicamente associado ao tráfico de drogas. E não podemos desprezar, ainda, uma questão que foi muito debatida, muito questionada e acredito que tenha sido investigada pela polícia que é o contrabando de cigarros e de cargas.
Como o crime organizado se instala na máquina do Estado?
Temos a noção de que ele nasce à margem do Estado. É o que chamo de criminalidade organizada exógena. O endógeno nasce dentro, ou seja, pessoas do poder público se reúnem para cometer ato ilícito. Por exemplo: juízes que se juntam para negociar sentenças, para atrasar o julgamento de um processo. Delegados em conluio para atrasar um inquérito policial e não fazer uma investigação. Ou agentes públicos que se reúnem para desviar recursos do erário. O problema do Brasil, hoje, diferentemente da Europa, dos Estados Unidos e do México, que têm o crime organizado forte, é que, neles, o crime nasce à margem e procura o Estado. Aqui, no Brasil, como demonstram as últimas operações da Polícia Federal, constatamos que o crime está dentro do Estado.
Que sinais demonstram sua existência? Em primeiro lugar, a corrupção, que não pode ser desprezada. Tanto em prefeituras como em demais órgãos públicos. Você pode verificar uma quantidade enorme de agentes públicos presos nas operações da Polícia Federal (PF), de sete anos para cá. Observamos em operações Anaconda e no Mensalão, que atores dentro do Estado se juntam para desviar verbas e cometer atos ilícitos. Sem falar, ainda, que as instituições brasileiras são muito associadas à política. Infelizmente, deputados estaduais e federais influenciam a nomeação de juízes e delegados, fazendo com que esses atendam às suas necessidades e façam vista grossa para determinados tipos de crime.
O senhor encontrou essa prática em Pernambuco?
Claro, é muito comum. Pode perguntar a qualquer delegado da Polícia Civil como se dá a nomeação dele. Você pode ir ao polígono da maconha e procurar saber se oficiais e soldados da polícia militar são transferidos a mando de vereador e de prefeitos da região. Você pode ir em qualquer Interior de Pernambuco e procurar saber quais serão as conseqüências para um delegado que resolver investigar corrupção em prefeituras.
O livro cita nomes?
Não. O livro poupa nomes. Por uma questão de segurança pessoal e também porque ele foi baseado em diversas fontes, em relatórios de inteligência, da PF e da Polícia Civil. Conseqüentemente, preservei as pessoas que me deram essas informações.
Durante a elaboração da obra, o senhor se viu em perigo em algum momento? Não. Entrevistei diversos traficantes. Vários me deram diversas informações a respeito de como funcionava o tráfico. Lembro-me que um traficante perguntou-me o seguinte: se você revelar que sou eu que estou falando isso, sabe o que lhe ocorrerá? Simplesmente, eu entendi o recado.
Como funciona o tráfico de drogas no Estado?
O tráfico de drogas no Estado é atomizado. Ou seja, há grande quantidade de bocas de fumo. Não existem grandes traficantes no Estado ou no Brasil. O que existe é que, em bairro de baixa densidade sócio-econômica, nós temos muitas bocas de fumo, que estão organizadas. Aos poucos, desde o final da década de 90, eu detecto em Pernambuco um processo de “carioquização”. Já temos traficantes dominando determinadas áreas, ditando as regras da localidade. Conflitos de drogas, principalmente entre João de Barros e Santo Amaro, muito parecidos com os do Rio de Janeiro porque são disputas por territórios.
As prisões de pequenos traficantes são inúteis se os cabeças continuarem soltos? Aqui, em Pernambuco, e particularmente no Brasil, não se tem grandes organizações criminosas lidando com o tráfico. Em geral, temos pequenos traficantes. E uma questão importante: o tráfico de drogas em Pernambuco não está associado à lavagem de dinheiro. Isso mostra que o poderio do tráfico é muito diminuto. O problema é que a polícia combate de modo ineficiente.
Onde ela falha?
Falta prioridade por parte do governo. Basta dar mais condições a delegados que sabem que o tráfico é um problema no Estado. Transformar, por exemplo, a Delegacia de Nacotráfico em departamento e dotá-la da estrutura que tem o GOE (Grupo de Operações Especiais). Algumas comunidades do Recife precisam ser ocupadas pela PM, a exemplo de Santo Amaro e João de Barros, como acontece no Rio. Não uma ocupação temporária, mas uma que dure, no mínimo, um ano para fazer com que o poder paralelo naquela região que está sendo criado seja descaracterizado.
Há o perigo de existência de grandes facções?
Pernambuco ainda não tem facções porque as drogas negociadas aqui são baratas: o crack e a maconha. Os traficantes, assim, não conseguem armamento. Mas não se pode esquecer que a corrupção policial está muito presente, que se tem poder paralelo em alguns morros da localidade, que traficantes, mesmo presos, continuam controlando o tráfico por trás das grades. Isso mostra que as instituições estão ineficientes. Eu costumo falar que, do mesmo modo que Pernambuco passa por um processo de “carioquização”, a Agamenon Magalhães será brevemente conhecida como a linha vermelha de Pernambuco.
A que conclusões o livro leva sobre o consumidor de drogas?
Proibir consegue solução? Não. Os Estados Unidos têm uma legislação de combate ao consumo de drogas muito eficaz. Cerca de 60% das pessoas presas nos EUA são condenadas por consumo de drogas. E não se consegue deter o consumo lá, um dos maiores do mundo. Temos a opção de descriminalizar as drogas, como fizeram Portugal e Espanha. No caso, a pessoa não pode mais ser presa se estiver com uma quantidade apenas para o consumo. Estive lá durante um ano, em Portugal e na Espanha. Conclusão: a descriminalização aumenta o consumo. Se o faz crescer, posso partir do princípio que também amplia o tráfico, porque também cresce a apreensão de drogas pela polícia. E legalizar? De modo algum, porque isso teria um impacto grande na saúde pública, na tributação do Estado, em relação à corrupção do poder estatal. Não se tem o que fazer. Apenas gerenciar e tentar amenizar os males.
Que avaliação faz da política de segurança do Estado para reduzir os homicídios? O que existe é muito marketing para pouca ação. O governo criou uma expectativa em relação ao Pacto pela Vida, trouxe diversas metas, mas desconheço que uma delas foi cumprida. Se foi, não fui avisado.
O que está dando errado?
Homicídio em Pernambuco nunca foi prioridade em nenhum governo. Se você for à sede do GOE e ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) vai descobrir se é prioridade ou não. Em segundo, o governador tem que ter a coragem de enfrentar os interesses corporativos das polícias Civil (PC) e Militar (PM). Somente a partir daí, poderá se combater a criminalidade, em especial os homicídios.
Que interesses?
A PC hoje é dividida. Sabemos que interesses corporativos e políticos envolvidos pressionam a tomada de atitudes do governador. Segundo: cada vez mais, temos batalhões. Quando ele é criado, tira grande quantidade de oficiais e policiais das ruas. Por que não se extingue os batalhões e cria-se núcleos de polícia comunitária? Terceiro: quando o governo terá coragem de enfrentar a segurança e as milícias privadas na RMR? Sabemos que há delegados, policiais e coronéis envolvidos.
Há esperança de que algo melhore?
Na perspectiva nacional, tenho pouca esperança. Em Pernambuco, tenho nenhuma.
http://www.folhape.com.br/
Adriano Oliveira - Doutor em Ciência Política (UFPE)
Vice-Coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições
Coercitivas da UFPE
Professor Adjunto das Faculdades Integradas Barros Melo
e Facipe.
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terça-feira, 23 de outubro de 2007
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