sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Grandes partidos fisgados pela Receita Federal

Do Blog de Josias de Souza, na Folha de São Paulo
21 de dezembro de 2007

Receita detecta irregularidades em sete partidos

Auditoria foi aberta em 2005, no rastro do mensalão
Levantaram-se de meras falhas a fraudes e caixa 2

A Secretaria da Receita Federal suspendeu a imunidade tributária de sete partidos políticos: PT, PP, PTB, PR (ex-PL), PMDB, DEM (ex-PFL) e PSDB. Trata-se de uma providência inédita. Resulta de uma auditoria que durou dois anos. O fisco detectou irregularidades em todas as legendas. Há desde o não-recolhimento de Imposto de Renda de funcionários até fraudes milionárias, envolvendo caixa dois, notas frias e empréstimos fictícios.

O início da auditoria já havia sido noticiada pelo repórter em setembro de 2005. Chega-se agora à fase final. Suspensa a imunidade, o próximo passo da Receita será a autuação dos partidos. Antes de recolher os tributos, podem contestar o trabalho dos auditores em duas instâncias administrativas. O fisco mantém em segredo os valores e as malfeitorias apuradas na operação que virou os partidos do avesso.
Segundo apurou o blog, a legenda mais encrencada é o PT. Os auditores fiscais confirmaram algo que a CPI dos Correios, a Polícia Federal e o Ministério Público já haviam detectado: o caixa dois de R$ 55,8 milhões amealhado pela dupla Delúbio Soares-Marcos Valério e otras cositas más.
A Receita decidira varejar a contabilidade dos partidos a partir de um pedido do ex-senador José Jorge (DEM-PE). Em agosto de 2005, época em que ainda estava no Senado, José Jorge enviou ofício ao secretário da Receita, Jorge Rachid. Solicitava que fossem devassadas as contas do PT. Guiando-se pela lei, Rachid não teve como deixar de atendê-lo.

O fisco decidiu, porém, adensar a apuração. Além do PT, pôs sob auditoria outros partidos que freqüentavam o noticiário como beneficiários do esquema do mensalão petista: PL [hoje PR], PP e PTB. Numa fase subseqüente, decidiu-se estender a apuração também ao PMDB, ao próprio PFL [agora rebatizado de DEM] e ao PSDB.

Reza a Constituição, em seu artigo 150, que os partidos políticos, a exemplo de sindicatos, igrejas e entidades filantrópicas, desfruta de imunidade tributária. Por isso o fisco teve de declarar a suspensão da imunidade antes de autuar as legendas. Cumprida a formalidade, a Receita poderá agora tratar os partidos como empresas convencionais, impondo-lhes o pagamento de impostos e multas relativas ao período alcançado pela auditoria –2002 a 2007.

A suspensão da imunidade tributária está prevista no artigo 14 do Código Tributário. Prevê que deve ser decretada sempre que forem detectadas irregularidades na contabilidade das entidades que desfrutam do benefício. A Receita já havia lançado mão do recurso contra entidades filantrópicas e igrejas pilhadas em malfeitorias fiscais. É a primeira vez que partidos políticos entram na dança.

Antes de oficializar a suspensão da imunidade, o próprio secretário Jorge Rachid telefonou para os presidentes dos partidos encalacrados. Avisou-os previamente acerca da decisão do fisco. Há dois dias, procurado pelo repórter, Michel Temer (SP), presidente do PMDB, dissera estar “seguro” de que, no caso de seu partido, a medida extrema não seria adotada.

O PMDB diz ter sido notificado pela Receita apenas da ausência de recolhimento na fonte do Imposto de Renda de duas funcionárias. Alega que pagou o débito assim que tomou conhecimento dele. Em defesa protocolada na Receita, insurgiu-se contra a perda da imunidade. Não adiantou.

A ação da Receita, por inédita, introduz na cena tributária um paradoxo: partidos políticos são financiados com as verbas públicas do Fundo Partidário. Ou seja, os tributos e as multas impostas pela Receita sairão dos cofres do próprio Tesouro Nacional. Significa dizer que, na prática, quem vai bancar as autuações é o contribuinte brasileiro em dia com os seus impostos.

Por um dever de transparência, os partidos deveriam apressar-se em tornar públicas todas as malfeitorias de que são acusados. A Receita está obrigada a guardar os dados sob sigilo. Mas não há nada que impeça os partidos autuados de divulgar as informações que lhe dizem respeito.

Por ora, o único partido a tornar públicas as acusações que lhe pesam sobre a sigla foi o DEM. Em nota veiculada em seu blog, a legenda diz ter sido notificada pela Receita de duas irregularidades: “deixou de recolher, na fonte, impostos devidos por terceiros e incidentes em prestações de serviços” e quitou de maneira indevida despesas médicas e funerárias de “um antigo” funcionário. Estima o débito total em R$ 6 mil. Anota que “procederá ao pronto recolhimento do imposto devido”.

O DEM aproveita a nota para sugerir ao fisco que mire num alvo novo: “Cumpre elogiar a seriedade e a competência da Receita Federal no trato da matéria, ressaltando que o alcance da ação deveria avançar sobre todas as entidades imunes [...], inclusive os sindicatos.”

Pela lei, o fisco pode, no limite, impor a cobrança de multas e tributos devidos, por "responsabilidade solidária", às pessoas físicas que geriam os partidos na época em que as irregularidades foram praticadas. Mas não há, por ora, decisão a esse respeito.

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