segunda-feira, 24 de março de 2008

EDUCAÇÃO: AS RAZÕES DO ATRASO


Por Paulo Rubem Santiago

Educação: As razões do atraso

No domingo 23 de março, o Diário de Pernambuco iniciou uma série de reportagens tratando da situação da educação brasileira e destacou como iniciativa para enfrentar seus problemas as ações do movimento TODOS PELA EDUCAÇÃO. Neste sentido gostaríamos de expor algumas observações sobre o porquê do atraso na educação vigente hoje no país.

Estamos nos aproximando do final da primeira década do século XXI e o país ainda apresenta indicadores educacionais que nos colocam em péssima situação, atrás até de países mais pobres da América Latina. Repetência elevada, evasão escolar persistente e distorção idade-série marcante são aspectos comuns nas redes públicas estaduais e municipais. Além disso, o desempenho dos alunos do ensino fundamental e do ensino médio apresenta dados comprometedores na leitura e compreensão, na escrita e na matemática, com graves conseqüências para sua formação escolar e para o desempenho profissional. Na gestão dos recursos as auditorias feitas pela Controladoria Geral da União, a CGU, apontam ser a educação a área que mais apresenta indícios de corrupção e desvio de finalidade.

Tais fatos vêm ocorrendo mesmo com a exigência legal da atuação de conselhos municipais e estaduais de fiscalização das verbas do antigo FUNDEF, o fundo para a educação fundamental e valorização do magistério, hoje reformulados, com mais autonomia, para o controle das verbas aplicadas apelo FUNDEB, o fundo para a educação básica.

Mesmo com esses indicadores, não nos faltam normas efetivas para termos uma educação pública de qualidade. Aprovada a Constituição Federal em 1988, inúmeros avanços foram acumulados no plano das diretrizes a serem observadas pelos gestores em todos os níveis.
A educação foi reafirmada como direito social, o primeiro deles, no artigo 6º e os mecanismos de cooperação entre a união federal, os estados e municípios foram assegurados no artigo 23 da CF, bem como, mais adiante, no artigo 5º. da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB, Lei 9394/96. A necessidade da aprovação de um piso salarial nacional para os profissionais da educação também está determinada desde 1988, no artigo 206, inciso VIII da CF.
Além desses aspectos também encontramos, no artigo 214, a determinação da elaboração de um Plano Nacional de Educação, o PNE, reafirmando-se tal diretriz na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, em seus artigos 9º. e 87. Tal plano deveria ser enviado pela União ao Congresso um ano após a aprovação da LDB, em 1997, portanto. O mesmo só ocorreria anos depois, com o plano sendo aprovado em 2001, pela Lei 10.172 / 2001.

O artigo 87 da LDB estabeleceu também, a partir da vigência da Lei, a Década da Educação (1996-2006).

Ainda em relação ao PNE, de 2001, foram estabelecidos como objetivos a elevação global do nível de escolaridade da população, a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis, a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública e a democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou eqüivalentes.

O financiamento da educação foi estabelecido desde a CF, no artigo 212 e aperfeiçoado por meio das emendas constitucionais 14 (que criou o FUNDEF) e 53, criadora do FUNDEB.

É oportuno que recuperemos esse conjunto de normas e princípios para a educação pública, de cooperação entre os entes federativos e do financiamento para explicarmos as razões do atraso na educação brasileira. Diferentemente do que vem afirmando o Ministro da Educação, Fernando Haddad, o Plano Nacional de Educação, de 2001, estabeleceu, sim, metas quantitativas e metas qualitativas, definindo para sua execução um horizonte de dez anos, até 2011. Em 2005 a consultoria técnica da Câmara dos Deputados, por solicitação da Comissão de Educação e Cultura, realizou a primeira avaliação da execução do plano nacional e constatou que as metas previstas não estavam sendo atingidas em nenhum dos níveis da educação, tanto por problemas de gestão quanto por escassez de recursos para sua concretização. Além disso sabemos que a maioria dos estados e mais de 80% dos municípios não têm planos estaduais elaborados e os que existem não são seguidos à risca nem os gestores responsabilizados pela metas não atingidas.

As sucessivas normas de financiamento da educação brasileira vinham sendo prejudicadas desde 1994 com a adoção do Fundo Social de Emergência, o FSE (1994), depois Fundo de Estabilização Fiscal, o FEF e até hoje da DRU, a Desvinculação de Receitas da União (prorrogada recentemente até 2011). Esse quadro agravou-se, a partir de 1999, em plena crise cambial no balanço de pagamentos, quando o governo federal assinou acordo com o FMI e passou a aplicar receitas duras na área fiscal, priorizando a formação do superávit primário para permitir o pagamento dos juros e parcelas da dívida pública. Hoje a DRU mantém a retenção de 20% das receitas da União, prejudicando os orçamentos federais da educação bem como os repasses da união para estados e municípios.

Norma vital para a garantia de aplicação de recursos em educação, a sua vinculação ao PIB, determinada pelo texto do Plano Nacional da Educação aprovado pelo Congresso em 2001, assegurava a elevação, na década, através de esforço conjunto da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, do percentual de gastos públicos aplicados para atingir o mínimo de 7%.

Para tanto, os recursos seriam ampliados, anualmente, à razão de 0,5% do PIB, nos quatro primeiros anos do Plano e de 0,6% no quinto ano. Essa meta foi vetada pelo governo de FHC. O veto até hoje não foi analisado pelo Congresso e o governo LULA perece não se importar com esse gigantesco prejuízo causado a educação no País.

O Plano de Desenvolvimento da Educação, um programa administrativo, com diversas medidas tópicas para enfrentar problemas específicos da educação, abandonou as metas do PNE e desconheceu a determinação nele contida de que os recursos a serem aplicados deveriam ter vinculação com os planos orçamentários, o plurianual, o das diretrizes orçamentárias e com as leis orçamentárias anuais, LOA. Além disso, a proposta de piso salarial nacional para os profissionais da educação básica se arrasta na Câmara, com valores irrisórios, muito aquém da comprovada capacidade fiscal do governo federal frente ao festejado excesso de arrecadação divulgado pela Receita Federal do Brasil dias atrás, mesmo com o fim da CPMF.

Nesse sentido o movimento TODOS PELA EDUCAÇÂO pode representar mais um esforço em busca da qualidade da educação pública no país com a plena responsabilização dos governantes nos três níveis de gestão. O atual quadro de gestão das políticas fiscal e monetária, que desde 1994 e, sobretudo, a partir de 1999, vem prejudicando a aplicação de recursos públicos na educação precisa ser enfrentado. Uma economia internacionalizada na esfera financeira somada aos caprichos das autoridades monetárias locais que fazem o que bem entendem, podendo até gerar pelo Banco Central prejuízos de R$ 42 bilhões ao tesouro, como em 2007, pode fazer com que, por alegações de natureza internacional ou expectativas inflacionárias dos agentes do mercado, novos apertos fiscais e monetários sejam impostos ao país.

Além disso, a crônica propensão de muitos de nossos gestores, já comprovada pela CGU, de administrar as receitas da educação com desvio de finalidade e atos de improbidade também exigem respostas à altura.

A LDB de 1996 estabeleceu a década da educação. Chegamos em 2006 e os resultados foram precários. Em 2001, o PNE afirmava que em dez anos (até 2011) seus objetivos deveriam ser atingidos. Não o foram já na primeira metade dessa década. Esperar para 2022 é exigir paciência em excesso do nosso país, das famílias e da sociedade que paga impostos da mais alta carga tributária da história republicana e vê, desde 1994, o fruto dessa tributação remunerar em primeiro lugar os rentistas da dívida pública.

Prova disso temos no orçamento de 2008 que reserva 47.6 % para pagamento de juros e parcelas da dívida pública, enquanto apenas 9,86% para os gastos federais em saúde, educação, ciência e tecnologia e combate à pobreza.

É necessário sim termos planos nacionais. Fundamental, também, é trabalharmos com as comunidades escolares para que seja garantido o direito de avaliarem a educação que desenvolvem em cada unidade, no sertão, no agreste, na zona da mata e no litoral, nas cidades, nos sítios e nos engenhos, construindo, revendo e consolidando seus projetos pedagógicos, como nos assegura o artigo 12 da LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96). Sabemos, porém, que, secularmente, a escola que pensa seu desempenho e seu fazer incomoda às elites locais e regionais e por isso enfrenta inúmeras ameaças à consolidação do seu projeto pedagógico.

O atraso na educação tem, portanto, razões financeiras, de gestão, de abandono de planos e metas vigentes, da não responsabilização dos governantes pelo fracasso escolar e da conduta predominante no país de se jogar para a próxima década o que deve ser feito desde agora em termos educacionais.

Nenhum comentário: