Por Paulo Rubem Santiago
A aprovação da proposta de emenda constitucional que prorroga a vigência da cobrança da CPMF transformou-se numa verdadeira guerra entre as autoridades fiscais do governo federal e a bancada da oposição no Senado, que denuncia o peso da CPMF nos encargos tributários que recaem sobre as pessoas físicas e as empresas. Partidos como o PSDB e o PFL, atual DEMOCRATAS, que em 1996 apoiaram a criação do imposto provisório que depois seria transformado em contribuição, se esforçam em passar aos cidadãos a tese de que a carga tributária no país está insuportável e que a CPMF serve mais à gastança do governo federal do que aos propósitos para os quais foi criada.
Na verdade, a tramitação da prorrogação da CPMF fez dessa contribuição o verdadeiro bode expiatório dos assuntos tributários e das desigualdades fiscais no país. Senão, vejamos.
Estima-se que a CPMF possa levar em 2008 R$ 40 bilhões de reais aos cofres públicos. Sabe-se que desde 2003 o governo federal não se moveu para promover a progressiva substituição da contribuição, mantendo-a apenas com alíquota residual para rastrear a movimentação bancária de pessoas físicas e jurídicas.
Enquanto isso, entre agosto de 2006 e agosto deste ano (2007) a dívida pública mobiliária (em títulos) em poder do mercado subiu R$ 31,2 bilhões, passando de 26,9 % para 29,5 % do PIB, chegando ao total de R$1,2 trilhão de reais. Em 2002 esse estoque era de R$ 720 bilhões.
O projeto de lei do orçamento para 2008 prevê R$ 152 bilhões para pagamento dos serviços da dívida pública, 3,8 vezes a previsão da receita da CPMF para 2008. Não se ouviu a oposição denunciar tamanha sangria de receitas do tesouro.
Além disso, entre agosto de 2007 e agosto de 2008, estarão se vencendo R$ 405 bilhões de reais em títulos da dívida pública, R$ 9 bilhões de reais a mais do que os valores previstos para o Plano Plurianual 2008-2011.
Frente a tais disparidades a CPMF representa pouco em termos de receita fiscal e em termos de transferência do tesouro para as diferentes despesas a serem executadas pelo governo federal. É necessário, sim, defender a efetiva aplicação social de suas receitas. É necessário, de fato, reduzir a alíquota atualmente vigente progressivamente.
Mais importante, porém, do ponto de vista fiscal e tributário, é denunciar e enfrentar a disparidade existente entre a carga tributária vigente no país e a destinação prioritária dos frutos dessa arrecadação a setores que não estão inseridos entre as prioridades da República Federativa do Brasil na Constituição Federal de 1988. Desde 1988 o Congresso Nacional foi impedido de rever e redirecionar as receitas destinadas ao pagamento dos serviços da dívida pública nos projetos de lei para o orçamento federal. A partir de 1999 a execução dos gastos públicos foi submetida a uma hierarquia. Primeiro se buscou, desde então, gerar uma economia para garantir o pagamento, sempre em primeiro lugar, dos juros da dívida pública. Em 2000, com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o pagamento desses juros ficou fora dos limites de gastos dos três níveis do poder público.
Por isso a chiadeira da oposição ao governo LULA na votação da CPMF é uma encenação grotesca. Criaram o antigo IPMF, apóiam a política monetária, a intervenção no câmbio que levou mais R$ 100 bilhões em títulos ao estoque do BC entre dezembro de 2006 e julho de 2007, além de terem fortes laços com os setores do capital privilegiados pela remuneração de seus ativos aplicados em títulos do tesouro.
O Governo LULA apresenta hoje alguns indicadores macroeconômicos em melhor posição que em 2003. Nesse assunto, porém, prefere seguir a opção feita naquele ano, afirmando que sem a CPMF não haverá dinheiro para a saúde, ao invés de, nesse segundo mandato, iniciar a construção de alternativas que nos libertem da escravidão do mercado e do peso que o gigantesco estoque da dívida pública e de seus juros exercem sobre o tesouro nacional e os gastos públicos.
Por isso o debate da CPMF, embora oportuno, faz dessa contribuição um autêntico bode expiatório, evitando que temas mais amplos, mais críticos e mais expressivos das brutais desigualdades tributárias e de distribuição das receitas fiscais no país possam ser tratados com mais transparência, apontando alternativas mais democráticas e justas para todos os brasileiros.
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
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