domingo, 6 de julho de 2008

A INFLAÇÃO E A DITADURA DOS JUROS



Por Paulo Rubem


Nas últimas semanas a mídia econômica brasileira destacou em amplas manchetes as possibilidades de enfrentarmos a elevação da inflação, fato largamente conhecido dos que já viviam a adolescência e a vida adulta nas décadas de 80 e 90 do final do século XX.

No próximo ano, 2009, completam-se dez anos desde que o Brasil passou a conviver com regras duras de combate à inflação, com grande reformulação de sua legislação no tocante aos gastos públicos, às políticas fiscais e de defesa da moeda frente ao monstro da inflação.

Foi a partir dali, quando buscávamos socorro junto ao FMI para termos crédito em moeda estrangeira, que passamos a adotar o chamado regime de metas de inflação. Por esse modelo, em vez de olharmos e combatermos a inflação passada buscamos os meios para impedir que a mesma suba nos próximos meses. Desde então vem sendo fixada uma meta com pequenas variações para mais ou para menos e nessa meta se deve manter a inflação nos doze meses seguintes.

De lá para cá, quaisquer que fossem as causas da inflação, o remédio tem sido único: Aumentar a taxa básica de juros para reprimir o crédito e a elevação do consumo, esse mau hábito que quase sempre, segundo alguns especialistas, coloca a demanda à frente da produção, fazendo com que os preços subam e a inflação reapareça nos assustando a todos. Em vez de se buscar e financiar o aumento da produção, porém, os governos desde então gastaram mais elevando-se os juros e reprimindo a demanda.

Pois bem, enquanto passamos quase dez anos seguindo essa receita, diversos outros países adotaram regras diferentes, ora atacando os preços administrados, de insumos antes estatais e posteriormente privados (energia e telecomunicações, principalmente), ora liberando crédito para aumentar a produção agrícola e industrial, ou se estabelecendo controle da entrada de capitais para que a moeda local não se valorizasse demais facilitando importações, desequilibrando-se a balança comercial e fazendo com que o país tivesse que aumentar os juros ainda mais para atrairmos dólares ao mercado interno, sobretudo para investimentos em títulos públicos e nas bolsas de valores, como ocorreu nos anos de FHC, sobretudo no 2º. mandato.

Contrariando essa “unanimidade”, estudos objetivos foram publicados por João Sicsu sobre controle de capitais e metas de inflação no excelente trabalho intitulado “Emprego, Câmbio e Globalização”, de 2006, pela Editora Campus-Elsevier. Importante também foram os estudos de Luis Fernando de Paula (UERJ), Fernando Ferrari (UFRGS) e Philippe Arestis, da Universidade de Cambridge, publicados em artigo no “Valor Econômico” de outubro de 2006.

Em suas regulares audiências na Comissão Mista de Orçamento, Planos e Fiscalização do Congresso Nacional, contudo, o Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, desde 2003, sempre argumentou que a elevação da taxa básica era o remédio ao qual recorriam as principais nações para controlar a inflação e que os custos fiscais das altas taxas de juros na dívida pública eram as conseqüências indiretas para mantermos a inflação no centro da meta e o país com credibilidade externa.

Qualquer outra análise sobre as razões que poderiam fazer a inflação subir e toda e qualquer alternativa às altas taxas de juros, como propusemos mais de 30 parlamentares de vários partidos entre 2003 e 2005, eram, sempre, descartadas, atacadas e desqualificadas, já antes, também, por Palocci, por Meirelles e demais especialistas com influência no governo e nas colunas econômicas dos principais jornais e emissoras de rádio e TV no País. Uma quase religião em macroeconomia e política monetária.

Eis que, de repente, tais luminares parecem não saber explicar porque os preços dos alimentos sobem além do previsto, logo eles, que alardeavam a globalização financeira e suas receitas monetaristas como fator instransponível, universal, determinante, capaz de pautar igualmente com suas conseqüências a vida de todas as nações do planeta.

Frente a tais novidades inflacionárias, recentemente, o Presidente LULA pediu que fossem investigados os rumores de que estaria havendo forte especulação de grupos com ativos financeiros nas aplicações no mercado futuro de alimentos, o que vem acontecendo há tempos, sem que as luzes de Palocci, Meirelles e outros tivessem sido capazes de iluminar e enxergar tais fatos.

Além disso, segundo o economista Guilherme Delgado, do IPEA, a área plantada com cana de açúcar ampliou-se de cinco para 7,04 milhões de hectares (safra 2007-2008), somando a isso a expansão da soja e da pecuária, tão bons têm sido os preços dessas comoditties agrícolas nos últimos anos no mercado internacional. A elevação da área desmatada e da velocidade dos desmatamentos em Mato Grosso e na Amazônia como um todo certamente poderão explicar a ganância desses produtores em levar mais de suas comoditties para o exterior. Enquanto isso o Brasil importa mais bens de capital da China, entra em déficit comercial com a terra de Mão Tse Tung e perde espaço para aquele país em mercados como EUA e Argentina.

A ditadura do pensamento monetarista, mola propulsora do remédio amargo das altas taxas de juros no combate à inflação, embora a tenha mantido, até agora, dentro da meta e das variações admitidas, impôs um ônus duríssimo ao tesouro nacional e aos investimentos públicos. Calcula-se que desde 1999 o País já tenho pagado R$ 1 trilhão de reais só de juros, sem contar a amortização das parcelas da dívida pública vencida, contas amargas para nossa desigualdade social e para um país que passou 12 anos com crescimento pífio e que ainda se mantém abaixo daqueles considerados, como nós, emergentes. Prova disso é que o PAC para infra-estrutura em 2008 prevê 15 vezes menos recursos do que a estimativa de gastos com juros no orçamento da união para esse ano.

Amarga para o crescimento, para a promoção da justiça social e para o tesouro nacional, a conta da ditadura monetarista de uma nota só é, porém, doce, dulcíssima, para a minoria que aplica seus ativos, daqui e de fora, nos títulos do tesouro, ganhando com os juros campeões mundiais e com o pagamento das parcelas da dívida pública.

Meirelles e os que enriquecem com a renda da dívida logo farão um afinado coro afirmando que só com novas subidas da taxa básica se poderá manter a inflação dentro da meta. O Presidente LULA acaba de anunciar um mega pacote de financiamento à produção de alimentos, o que, se funcionar, só trará mais comida às nossas mesas e uma queda nos preços dos alimentos em, no mínimo, seis a oito meses.

Caso tivéssemos olhando antes para outras causas da inflação, para os riscos das especulações no mercado futuro de alimentos e esse crédito houvesse sido liberado anos atrás, certamente não estaríamos agora tendo que aumentar ainda mais os juros, gerando-se mais dívida pública, forçando mais superávit primário e mais saques do tesouro para os que já têm demais num país em que os gastos federais com saúde, educação, ciência e tecnologia e combate à pobreza ainda são quase 2% menores do que com os serviços da dívida pública (dados do projeto de lei para o orçamento federal de 2008, disponíveis na exposição do Ministro Paulo Bernardo, na Comissão Mista de Orçamento, em 18 de outubro de 2007, site www.planejamento.gov.br).

Espera-se que esse episódio nos ajude a romper com a ditadura do pensamento único na macroeconomia brasileira e vozes e estudos como os de Paulo Nogueira Batista Jr., João Sicsu, Luis Fernando de Paula, Celso Furtado, Márcio Pochmann, Tânia Bacelar, Chico Oliveira e outros, não sejam considerados como opções irresponsáveis no tratamento do tema.

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