quarta-feira, 16 de julho de 2008

UM PAÍS ACORRENTADO : MEU VOTO CONTRÁRIO À APROVAÇÃO DA LDO 2009
















Por Paulo Rubem

UM PAÍS ACORRENTADO

O Congresso Nacional aprovou em sessão realizada ontem, 15 de julho, o Projeto de Lei que contém as diretrizes para a elaboração do orçamento federal de 2009.
Aprovada a LDO Deputados e Senadores voltarão a debater o assunto a partir de setembro, quando o Presidente LULA enviará ao Congresso o Projeto de Lei para o orçamento do próximo ano.

Embora o tema consiga, sempre, obter ampla repercussão nos meios de comunicação, não houve mudanças significativas na forma como os governos que antecederam LULA elaboravam as peças orçamentárias e o modo pelo qual a atual gestão prepara, envia e executa as leis orçamentárias previstas na Constituição Federal.

Desde 2003, por raras vezes, a Comissão Mista de Orçamento assumiu a realização de audiências públicas no Congresso e em algumas cidades, capitais de estados das diferentes regiões do País. Nada, porém, que pudesse assinalar um novo marco rumo à efetiva democratização do processo orçamentário, sobretudo frente às brutais disparidades até hoje verificadas na distribuição das receitas públicas arrecadadas mediante uma carga tributária que trata de forma desigual os pobres e ricos do País. Nossos impostos e contribuições pesam mais sobre o consumo e a renda e, no caso do consumo (ICMS), as alíquotas são iguais para pessoas e empresas de diferentes classes de renda e patrimônio.

Pois bem, foi neste cenário que vimos aprovar ontem o Projeto de Lei da LDO para o ano de 2009.
Entre diretrizes, planos, metas e expectativas para o próximo ano, um aspecto pode ser pinçado de toda a peça :

- A exigência de que todos os programas e metas, previstos na LDO, deverão estar, o tempo todo, submetidos à política econômica e às metas fiscais do governo federal.

Para o leigo, ou aquele medianamente informado, essa seria uma relação normal, necessária, diria até, fundamental.
O que se observa, entretanto, é que essa norma esconde uma brutal disparidade na distribuição dos recursos arrecadados da sociedade. A política econômica (nela incluídas as diretrizes de combate à inflação, o tratamento do câmbio, o crédito à sociedade e o peso dos impostos na atividade produtiva) tem sido conduzida, além disso, também, para assegurar a solvência da dívida pública, ou seja, para transmitir aos proprietários dos títulos da dívida (internos e externos) que o Brasil é capaz de pagá-la ou de renegociá-la (rolagem), sem riscos, mesmo que, para isso, o pagamento de outras dívidas, inclusive aquelas previstas na Constituição Federal, possa ficar para depois ou para jamais.

O compromisso com a tal solvência é tratado quase como uma religião, assim como as políticas necessárias para que esses interesses sejam preservados. Qualquer opção diferente, para o combate à inflação, para o tratamento do câmbio, para o crédito e para a matéria fiscal é logo taxada de irresponsabilidade, de estímulo à volta da inflação ou de promoção do calote da dívida.

Para assegurar essa lógica, nos últimos 10 anos, aos poucos, um país inteiro foi sendo acorrentado a determinadas opções de política econômica, alardeadas como o caminho único, universal, ciência exata até, depois de experiências não convencionais (Plano Cruzado, corte de zeros na moeda, confisco da poupança e dos depósitos no governo Collor) que foram incapazes de atingir, de fato, o núcleo da inflação dominante no País até o início dos anos 90 do século passado.

Mais grave até do que a adoção de determinadas opções (que produziram certas arquiteturas para as leis orçamentárias a partir de então) foi o silêncio imposto ao debate sobre macroeconomia no País. Partidos políticos, sindicatos, universidades e toda a pós-graduação em economia e políticas sociais foram jogados para o acostamento, com o apoio dos grandes meios de comunicação, reiteradas vezes integrados na divulgação e defesa das medidas adotadas desde o governo de FHC com o Plano Real e já nos anos de LULA Presidente.

Agora, com a aprovação da LDO e a possibilidade de aprovação, também, de outros projetos que o executivo enviou ao Congresso, avança ainda mais o repertório de medidas que visam, literalmente, acorrentar o país aos interesses econômicos dos credores da dívida e à sua estratégia de ocupar os postos chaves do Estado brasileiro para fazê-los gerar políticas voltadas, mais uma vez, aos seus interesses.

Em 1988, com a aprovação da Constituição Federal, inseriu-se no artigo 166, parágrafo terceiro, Inciso II, alínea “b” que os parlamentares estão impedidos de alterar, nos projetos de lei para o orçamento anual, a previsão de recursos destinados ao pagamento dos serviços da dívida pública.

Depois, com a adoção do regime de metas de inflação e outras diretrizes para que se contivesse e se regulasse o endividamento da União, dos Estados e Municípios, aprovou-se a Lei Complementar 101, a Lei de Responsabilidade Fiscal, de maio de 2000. Por essa Lei, entre outras questões, estão ressalvados do limite de gastos públicos aqueles relacionados com ... o pagamento da dívida pública, definidos, contudo, limites rígidos para gastos de pessoal em relação à receita corrente líquida, mesmo que municípios e estados não estejam cumprindo com suas atribuições constitucionais, superiores, portanto às normas de uma Lei Complementar, em relação a, por exemplo, educação infantil, ensino fundamental e médio. A dívida privilegiada, no caso de estados e municípios, não é, majoritariamente, concernente a emissão de títulos públicos, mas sua inserção no rol dos gastos aos quais não há limite de empenho e pagamento, mostra a força dos interesses desses credores frente às necessidades da população em relação à saúde, saneamento, habitação, transporte e segurança, pois da educação já falamos.

Agora, com os riscos de que se reinstale uma inflação no País, com fortes indícios de especulação internacional no mercado futuro de alimentos e grãos, os luminares da “ciência exata” da economia, assentados no BC, nos Ministérios da Fazenda e Planejamento e espalhados em diversas colunas de jornais, emissoras de rádio, revistas e escritórios de empresas associadas ao mercado financeiro, parecem espantados e já se estima (o BC consulta o mercado para saber sobre as previsões da inflação, em vez de ouvir os produtores rurais, os agricultores familiares, as federações agrícolas, cooperativas, sindicatos rurais, atacadistas e varejistas) nova rodada de elevação da taxa básica, a SELIC.

Subindo a SELIC sobe a dívida pública, aumenta o peso dos juros a serem pagos regularmente pelo tesouro, com forte pressão para a elevação do superávit primário e corte de gastos públicos, visando assegurar, como demonstração de “honra”, a solvência da dívida e o respeito “aos contratos”.

O País vai sendo acorrentado.

O Jornal “O GLOBO”, do Rio de Janeiro, na edição de 15 de julho, revelava, na página 04 do 1º. Caderno, que “milícias e tráfico barram candidatos em favelas”.

Lá os candidatos a Vereador na capital carioca não entram em dezenas de comunidades, controladas pelas milícias, formadas por policiais e ex-políciais que fazem a “segurança” dessas áreas em competição com o tráfico de drogas.

Ao mesmo tempo informava o jornal carioca, à página 16, que o Hospital Clementino Fraga Filho, que realiza transplante de fígado, localizado do Fundão, na Cidade Universitária, havia suspendido as operações por falta de recursos. No caso dos transplantes de córneas, a Sociedade Banco de Olhos do Rio, baseada no Hospital Geral de Bonsucesso, não deve retomar as operações, a menos que consigam doações.

Como se isso não nos bastasse, há semanas a Santa Casa de Misericórdia de Belém ocupa a mídia pelas sucessivas mortes de crianças recém nascidas, mesmo a unidade dispondo de uma UTI Neonatal, agora fechada.

Bem, mas com a LDO aprovada, não se permitirá que a sociedade, contudo, observe isso e a mídia de todo o País tampouco registrará que todos os programas e metas da administração pública (se todos, inclusive os que têm relação direta com a vida) estarão, por mais um ano, pelo menos, submetidos às diretrizes e metas da política econômica e das regras fiscais vigentes.

Claro, segundo os “cientistas” de plantão, tudo de forma a que se mantenha a inflação sob controle e o País em bons lençóis perante a comunidade financeira internacional.

Por isso ocupei a tribuna da sessão do Congresso na noite de ontem fazendo esse registro e expressando nosso voto contrário à aprovação da LDO nos termos contidos no Relatório da Senadora Serys Slhessarenko (PT-MT).

O País está acorrentado a essa arquitetura anti-vida e precisa, com urgência, recuperar o debate e as ações concretas para que o combate à inflação não perpetue a desigualdade, a miséria e as milhares de mortes evitáveis, essas sim, pela ciência, pela prevenção no saneamento e pela educação básica, de modo a retirar nossa juventude da linha de tiro das armas, das mãos do tráfico e da prostituição.

Não podemos conviver a vida toda, de um lado, com um programa como o Bolsa-Família, assistencial, que consome R$ 40 bilhões para 11 milhões de famílias e, do outro, com os juros da dívida pública, acima de R$ 150 bilhões/ano, para 20.000 famílias que vivem da aplicação de seus ativos nos títulos do tesouro.

Os números da disparidade entre os gastos em educação, saúde, ciência e tecnologia e combate à pobreza e o que se reserva no orçamento de 2008 para juros e amortização da dívida pública podem ser encontrados no site do Ministério do Planejamento, www.planejamento.gov.br , na exposição do Ministro Paulo Bernardo feita na Comissão Mista de Orçamento, em 18 de outubro de 2007.

Os baixos níveis da execução orçamentária nas políticas de saneamento e para as mulheres podem ser acessados em www.inesc.org.br e www.cfemea.org.br .

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