quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Em pronunciamento no Grande Expediente abordamos a violência contra a mulher, a economia, o direito à comunicação e o sindicalismo docente


















O SR. PAULO RUBEM SANTIAGO (Bloco/PDT-PE). Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, no Grande Expediente dessa tarde de quinta-feira, dia 27 de novembro, quero aqui abordar alguns aspectos que são do conhecimento da maioria dos Deputados e das Deputadas, e que têm ocupado, com muita freqüência, o noticiário da grande imprensa e também a imprensa dos movimentos sindicais e dos movimentos populares em nosso País.


Mas quero começar expressando a mais absoluta e irrestrita solidariedade ao ANDES, Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior, frente a um processo estranho e desnecessário de disputa pelo registro de entidades representativas dos docentes de nível superior, demonstrando que, embora tenhamos construído, há quase 30 anos, a recuperação do movimento sindical, a reconstrução e a conquista pós-ditadura da liberdade e da autonomia sindicais, estamos certamente retrocedendo quando o Governo brasileiro passa a tomar parte na disputa da legitimidade da representatividade de 2 entidades que têm expressão no nível superior da educação pública brasileira.
Refiro-me ao PROIFES e ao ANDES.

E falo aqui não como Deputado Federal da Comissão de Educação, falo como docente da Universidade Federal de Pernambuco, como ex-dirigente da minha seção sindical da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco, e considero lamentável que tenhamos hoje o Poder Executivo se imiscuindo numa questão que cabe única e exclusivamente à esfera do movimento sindical, da luta e da organização dos trabalhadores.

Acho desnecessário haver essa disputa, apoiada pelo Poder Executivo, e que implica na cassação do registro sindical do ANDES, entidade nacional,que tem como representação de base 112 seções sindicais, associações de docentes espalhadas por todo o território nacional, e entendo mais uma vez, para concluir essa minha primeira intervenção, que não cabe a nenhum governo, seja do ponto de vista de uma ação administrativa ministerial, seja do ponto de vista de uma intervenção constitucional ou infra-constitucional, não cabe a nenhum governo, não cabe ao Estado legislar sobre quem é ou quem não é central sindical.
Por isso, inclusive emiti meu voto contra a aprovação de um projeto que por esta Casa passou, atribuindo à legislação do Estado brasileiro a prerrogativa de reconhecer a necessidade do registro das entidades sindicais.

E recupero aqui os princípios que nos fizeram fundar a Central Única dos Trabalhadores, em 1981: a defesa intransigente da liberdade e da autonomia sindical; a separação clara, objetiva, necessária e direta para democracia entre Estado, Governo, partidos e sindicatos.
Quero, portanto, expressar, na qualidade de docente, ex-dirigente da minha associação dos docentes da UFPE, a minha solidariedade, integro-me à luta de todos e todas que defendem a liberdade e a autonomia sindicais plenas.
Portanto, não há necessidade de intervenção direta ou indireta do Poder Executivo na disputa de representação entre 2 instituições, o PROIFES e o ANDES, pela representação dos docentes de nível superior em nosso País.

Em segundo lugar, quero trazer ao Parlamento a voz de inúmeros segmentos democráticos e populares do nosso País que se pautam pela organização da Conferência Nacional de Comunicação.

Há pouco dias, o Professor e Sociólogo Emir Sader publicou em seu Blog, na sua ferramenta eletrônica, uma manifestação muito clara. Entre tantos avanços e lutas que o Brasil enfrenta e vence desde a posse do Presidente Lula, duas questões não foram ainda enfrentadas: a primeira delas, a construção de uma política econômica alternativa à supremacia do mercado, a lógica de que o Tesouro Nacional deve ser instrumento de produção de riquezas para permitir a acumulação privada na esfera financeira.
Outra questão enfatizada pelo Prof. Emir Sader é que, além da falta de iniciativa para que desmontássemos progressivamente esta lógica da supremacia do mercado, não mexemos em absolutamente nada para democratizar o sistema de produção da comunicação em nosso País.
A ausência até hoje da realização de uma Conferência Nacional de Comunicação expõe o nosso Governo e o processo democrático brasileiro a uma imensa falência.

Aqueles que têm se dedicado a estudar o sistema de comunicações no Brasil sabem que não mais de 10 os grandes grupos empresariais que se expressam hoje nas emissoras de rádio, nos canais de televisão aberta, nos canais de televisão paga, as TVs por assinatura, no mercado editorial, enfim, concentrando aquilo que em muitos outros países é proibido por lei: a multimídia, a propriedade de múltiplos veículos de comunicação.
Por isso, queremos aqui fazer nossas as vozes que têm desaguado de movimentos populares, de movimentos estudantis da área de comunicação, do fórum pela democratização da comunicação, do trabalho incessante daqueles que integram o site INTERVOZES, e que defendemos todos, a partir de uma conferência nacional de comunicação, uma outra política pública para a comunicação brasileira.

O próximo tema que vou abordar é espelho deste conflito, desta supremacia do setor hegemônico do capitalismo, o setor financeiro, a hegemonia dos grupos empresariais que não chegam a uma dezena em todo território nacional, frente ao desafio de construirmos com soberania uma outra política de desenvolvimento para o nosso País.
Refiro-me aqui, como conseqüência desta hegemonia de poucos grupos empresariais, à ditadura do pensamento único na esfera macroeconômica, na economia monetária, na economia cambial, na esfera financeira. É uma vergonha.

Uma questão essencial não foi percebida nas comemorações dos 20 anos da nossa Constituição feminina e cidadã. Em 1988, quando o Deputado Ulysses Guimarães entregou ao País esta Constituição, não teve desde então a devida repercussão, uma coisa pequena, miúda, porque não é artigo, não é caput, não é parágrafo. É uma simples alínea.


O art. 166, § 3º, inciso II, alínea b da nossa Constituição é uma afronta ao parágrafo único do art. 1º da própria Constituição. Diz o parágrafo único do art. 1º: Todo poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição. Mas lá embaixo, ou lá em cima, no art. 166, § 3º, inciso II, alínea b, afirma-se que o Congresso não pode mexer nos recursos destinados, no Orçamento anual, ao pagamento dos serviços da dívida pública, ou seja, todo o Congresso Nacional, todo o processo democrático brasileiro não vale nada frente à supremacia dos serviços da dívida pública.
Isso é uma pouca vergonha, é a submissão do Tesouro Nacional, da ordem constitucional, do mérito da matéria tributária ao interesse de uma parcela de agentes econômicos privados, que fazem com que ao Orçamento para 2009, em discussão nesta Casa, 144 bilhões a mais tenham que ser inseridos nas contas públicas, em 2009, apenas para promover a rolagem da dívida pública, a troca de títulos velhos por novos títulos na renegociação com o mercado.

Esse é um dado estarrecedor, como é estarrecedor o que foi publicado há 10 dias pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, hoje presidida pelo economista Marcio Pochmann. Ao estudar, de 2000 a 2007, como foram as participações da renda do trabalho e das propriedades na divisão da riqueza nacional, a que resultado chegaram o economista Marcio Pochmann e a equipe do IPEA?
De 2000 a 2007, pagamos 1 trilhão, 267 bilhões e 900 milhões de reais só de juros da dívida pública.

No mesmo período, os gastos federais com a saúde atingiram 310 bilhões de reais, os gastos federais com a educação, 149 bilhões de reais, os gastos federais com investimentos, envolvida toda área de ouro que hoje é abordada pelo PAC, 93 bilhões de reais.
Muito certo estava o economista Professor Ricardo Carneiro, que há dois anos coordenou a publicação de um excelente trabalho intitulado “A Supremacia do Mercado e a Política Econômica do Governo do Presidente Lula”.
Um Brasil de todos não paga juros para poucos.
Há uma contradição na expressão que marca o slogan do Governo do Presidente Lula.
Assistimos ontem aqui a vinda do Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que continua insistindo, alimentado não sei por que convicções, ou tipo de interesses, de que a taxa de juros ainda depende do ciclo inflacionário.
E vamos nos estudos do também hoje Diretor do IPEA, Professor João Sicsú, e o que encontramos?
Enquanto o Brasil há quase 10 anos entrava nessa ortodoxia monetarista do regime de metas de inflação, outros países combateram e reduziram a inflação a níveis irrisórios, residuais, sem lançarem mão do concurso desse regime de metas de inflação e da manutenção em patamares estratosféricos das taxas de juros.
Hoje pela manhã quando participamos na sessão do Senado Federal alusiva ao Dia Mundial de Combate à Violência contra a Mulher e ao transcurso dos 16 dias de atitude, de compromisso de nós, homens, ao combate à violência contra a mulher, procurei expressar esta preocupação.

Mais do que atos, laços brancos na lapela e outras atitudes simbólicas, precisamos combater a violência com ações concretas, com recursos, para que os Estados construam delegacias da mulher, casas de abrigo, centros de referência, e o Poder Judiciário construa os juizados especiais previstos na Lei Maria da Penha.
Lamentavelmente, tive de registrar, com muita consternação, que o nosso querido Presidente Lula, ao assinar ao Lei das Diretrizes Orçamentárias, vetou uma emenda que foi aprovada com a iniciativa de vários Deputados e Deputadas. S.Exa. vetou a restrição ao contingenciamento dos recursos a serem aplicados no Programa de Enfrentamento e Combate à Violência contra a Mulher.
De 2003 a 2007, deixamos de executar 34 milhões de reais, em vez de executarmos quase 79 milhões que lhes eram destinados. A cada real contingenciado, e que se deixa de aplicar nos programas de combate à violência contra a mulher, teremos mais mulheres negras sendo privadas de exames preventivos de câncer de mama e de colo do útero. Teremos mais adolescentes, recém-ingressas na vida adulta, a engrossarem as estatísticas das mulheres que hoje estão nos presídios, nas cadeias e nas delegacias espalhadas por todo o País. Teremos, mais e mais, crianças e adolescentes vítimas do abuso sexual, da exploração da força de trabalho, da discriminação e de todo e qualquer tipo de violência que hoje se derrama no território nacional sobre as crianças, mulheres, jovens, crianças e adolescentes.


Por isso não há como separar, como acreditar, não há como embarcar no otimismo monetarista daqueles que olham a economia como se fosse uma pintura abstrata, não vendo por trás dela seres humanos, famílias que moram em áreas de risco, que amargam décadas sem empregos formais. Hoje, no Brasil, mais da metade da população economicamente ativa está fora do sistema de proteção da Previdência e da seguridade social.

Trago mais um elemento: a discussão que ora se aproxima, quase no fim desta sessão legislativa, da reforma tributária. Debatemos ontem com o Relator, Deputado Sandro Mabel, com o Presidente da Comissão, Deputado Antonio Palocci, e com os partidos do Bloco PDT, PSB, PCdoB, PMN e PHS.
Um aspecto é problemático, um aspecto preocupa-nos na engenharia que se está apontando para uma nova reforma tributária:
-Em nome da desoneração da folha patronal, em que incidem 20% de contribuições dos trabalhadores para a Previdência Social, em nome da simplificação de impostos e contribuições, as contribuições que hoje são, constitucionalmente, fontes específicas de financiamento para a seguridade social serão transformadas. A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido passa para o Imposto de Renda e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social — COFINS passa para o Imposto sobre Valor Agregado Federal — IVA.
Qual é a nossa preocupação? O conceito de seguridade social foi uma imensa conquista dos Constituintes e do povo, há 20 anos, quando aprovamos a Constituição Federal de 1988. Insistir na tese de que a Previdência é deficitária e separá-la do conjunto das receitas e das políticas contidas na Constituição para a seguridade social, das duas, uma: ou é desconhecer a Constituição ou é um ato de má-fé.

A professora Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, concluiu, em 2006, uma tese de doutorado que trata da provável, ou hipotética, ou aludida falência da Previdência Social. Ela prova, com números oficiais inquestionáveis, que é uma falácia o discurso da falência da Previdência Social. Não é a seguridade social que suga recursos do Tesouro, é o Tesouro, por meio da incidência da Desvinculação dos Recursos da União (DRU), que vem sugando os recursos da seguridade social.
A própria exposição de motivos que acompanha a proposta de reforma tributária ora em debate é clara.
São dois cenários: um, em que a DRU incide sobre as receitas da seguridade social; outro, sem incidência da DRU.
Se não me falha a memória, Deputado Manato, que preside esta sessão, são, pelo menos, 24 bilhões de reais retirados da seguridade social para engordar os cofres do Tesouro Nacional na formação do superávit primário, que agora, de janeiro a outubro de 2008, atingiu uma cifra cavalar, astronômica, verminótica — porque o superávit primário é como uma verminose que suga as proteínas, as vitaminas e as substâncias que nutrem o corpo humano. O superávit primário previsto para 3,8% do PIB atingiu 5,6% do PIB.
Eis que aparecem o Presidente do Banco Central e o Secretário do Tesouro Nacional para comemorarem que em 2010 vamos zerar o déficit nominal. Eu vou repetir o que eu disse no dia da Comissão Geral. Há tempos, Arquimedes disse: me dê uma alavanca e um ponto de apoio, que eu movo o mundo. Vou tomar emprestada essa frase de Arquimedes e adaptá-la: me dê o Tesouro Nacional livre de qualquer controle por parte do Congresso, me dê uma carga tributária regressiva, indireta e astronômica, que eu faço muito melhor do que estão fazendo o Banco Central e a Secretaria do Tesouro Nacional.

Seremos muito mais radicais de direita do que esses que olham a economia sem pano de fundo, olham a economia sem ver por trás dela pessoas, sobretudo quando essa estabilidade cantada e decantada transfere mais riqueza nacional para os mais ricos. Não sou em quem digo, é o economista Marcio Pochmann, Presidente do IPEA, baseado em dados oficiais.

Por isso, Sr. Presidente, para sermos solidários às mulheres vítimas de violência, para sermos comprometidos com o fim da violência contra a mulher, não podemos ficar nos atos simbólicos, nos atos de mero registro das atrocidades que se cometem contra as mulheres. Precisamos, sim, de orçamento público, de estruturas administrativas, de pessoas, de recursos humanos, para defendermos as nossas crianças, jovens, adolescentes, mulheres. Mulheres do campo e da cidade, trabalhadoras rurais, trabalhadoras domésticas, mulheres que não tiveram a chance de estudar e mulheres que mesmo tendo a chance de ter chegado a uma universidade ainda são vítimas da violência que se expressa em várias camadas da sociedade, independente de renda e de instrução.
Quero aqui mais uma vez destacar a minha discordância, a nossa indignação com essa brutalidade, que em nome de uma estabilidade monetária impôs ao País a ditadura do pensamento único. Mas graças à coerência, à competência, à profundidade e à seriedade acadêmica de muitos dos nossos intelectuais, economistas e professores universitários, ela vem sendo aos poucos desmascarada.
Quero aqui, por isso, registrar e me solidarizar com o trabalho acadêmico do Professor João Sicsú, de Celso Furtado, que já não está mais entre nós, da minha querida companheira de Pernambuco Tânia Bacelar, de Leonardo Guimarães Neto, de Fernando Ferrari, de Luiz Fernando de Paula, os artigos que têm sido escritos pelo Professor Beluzzo, recém-publicados em um livro premiado Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX.

São essas as direções para que sejamos um Estado nacional, soberano e autônomo. Não adianta o Brasil sonhar que ao receber um grau de investimento tudo muda. Dizia-se que quando o Brasil tivesse recebido o grau de investimento em abril as taxas de juros iam ser reduzidas. Foram? Reduziram-se as taxas de juros? Nem a taxa básica SELIC, nem as taxas cobradas pelo mercado privado.

Por isso, Sr. Presidente, quero concluir este pronunciamento, externando a minha solidariedade aos movimentos sociais, sindicais e populares que defendem, ao apoiarem o Governo do Presidente Lula, a construção de uma ruptura progressiva frente à lógica predominante nas contas públicas e no Tesouro Nacional que não é a lógica da sociedade, não é a lógica, repito. O PAC é um pico, o PAC não é Programa de Aceleração do Crescimento que se fala ao se encher a boca. Comparando-se os recursos de investimento do PAC, com os recursos transferidos para os mais ricos, para aqueles que de 2006 a 2008 multiplicaram em 313% os investimentos estrangeiros na carteira de ações e na renda fixa, esses são os bem-aventurados, esses entram e saem do nosso País na hora em que bem entendem, porque aqui se implantou uma ditadura do pensamento único, que contestou as outras experiências do Chile e da Malásia no controle de capitais, que disse que qualquer outro sistema de combate à inflação seria o suicídio.

Por isso, Sr. Presidente, a nossa solidariedade e o nosso compromisso neste Dia de Combate à Violência Contra a Mulher, mas reitero a minha solidariedade ao ANDES, Associação Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. Não é com ações de Estado, não é com interferência do Poder Executivo que se vai decidir quem é legitimamente ou não representante dos docentes do Ensino Superior.
Portanto, a minha solidariedade ao ANDES e a nossa luta por uma outra política macroeconômica, que se execute não em nome da estabilidade apenas, mas que através da estabilidade promova a vida plena, digna para todas as cidadãs e todos os cidadãos do nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

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