terça-feira, 8 de abril de 2008
EDUCAÇÃO : SEM MÁGICA, SEM RODA REDONDA
Por Paulo Rubem Santiago
Nas últimas semanas parte considerável da imprensa brasileira dedicou-se à análise dos resultados dos exames de educação realizados no país.
A análise dos indicadores provocou inúmeras avaliações e a defesa da ampliação da adoção de medidas ora em curso em algumas cidades e estados brasileiros, em busca da qualidade do ensino e do reforço nos níveis de aprendizagem na educação fundamental e no ensino médio.
Neste campo exaltaram-se as experiências de adoção de modelos pedagógicos baseados no uso de apostilas contratadas com grupos privados que uniformizam as diretrizes a serem seguidas pelos profissionais da educação no cotidiano das escolas em suas respectivas redes. Por esse caminho haveria uma "centralização" de orientação e de procedimentos a serem seguidos em cada disciplina integrante do currículo escolar.
Em outros campos destaca-se a parceria de alguns estados com Institutos de Direito Privado sem fins lucrativos, através da qual coordenadores especializados acompanhariam grupos de escolas e nestas escolas outros supervisores fariam o monitoramento do desempenho escolar, sobretudo com ênfase nos casos de mais baixo rendimento de alunos e alunas.
De forma ingênua ou expressando o mais autêntico interesse mercantil ou publicitário para as instituições citadas ( grupos privados ou entidades sem fins lucrativos) o que chama a atenção é o total desconhecimento, nos comentaristas da imprensa e nos defensores das soluções analisadas, dos fundamentos educacionais contidos, como diretrizes e princípios, na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB, Lei 9394/96, nas Emendas Constitucionais que criaram o FUNDEF, EMENDA 14/96, e o FUNDEB, a EMENDA 53, bem como nas proposições aprovadas pelo Plano Nacional de Educação de 2001, Lei 10.172/01.
Exemplo diso foi a exitosa experiência desenvolvida pela Escola Municipal da Iputinga, bairro da região da Avenida Caxangá, no Recife.
Essa escola, da rede municipal de ensino da capital, por muitos anos, não conseguia concluir uma única turma de alunos da 8a. série, tantos os indicadores do fracasso escolar acumulados e não enfrentados.
Esse quadro mudou a partir da decisão da comunidade escolar, da direção e dos professores e servidores de construírem e implantarem o Conselho Escolar, previsto na Constituição Estadual de Pernambuco,na Lei Orgânica do Recife e regulamentado por Lei Municipal de nossa autoria, quando do exercício do mandato de vereador na capital, entre 1991 e 1994.
O Conselho Escolar enfrentou o desafio de mobilizar a comunidade, focando a reflexão nos indicadores do fracasso escolar e na busca de soluções para o mesmo.
As primeiras reuniões de pais, alunos, servidores e professores se constituiram numa autêntica praça de guerra, com todos falando ao mesmo tempo, num processo que gerava acusações de todos os lados sobre a responsabilidade para com o desempenho escolar dos estudantes da escola.
Os próximos passos foram marcantes para o processo de educação coletiva daquela comunidade escolar. Aos poucos todos se manifestavam de forma objetiva e num processo colegiado de análise, reflexão e proposição de iniciativas.
O resultado mais esperado não tardaria a ser obtido. Em menos de dois anos a Escola Municipal da Iputinga formava sua primeira turma de 8a. série após quase uma década de insucessos marcados pela evasão e pela repetência.
Nesse caso não houve magia nem a reinvenção da roda na educação. Fez-se o que estava claramente delineado no texto constitucional e na legislação ordinária.
Assumiu-se que a escola deveria construir seu projeto pedagógico, que sua gestão deveria ser democrática, por meio do Conselho Escolar, enfatizando-se a busca da construção do conhecimento com o estímulo ao papel de cada um e de todos na unidade escolar.
Os resultados obtidos permitiram que a experiência da Escola Municipal da Iputinga fosse inscrita omo uma das treze mais bem sucedidas na América do Sul, segundo o Projeto "Raízes e Asas", do UNICEF, com publicação em material impresso e vídeo em VHS.
De lá para cá o que mudou ?
Por que essa experiência não foi reforçada em outras escolas e redes pelo país afora ?
Por que as conferências municipais e estaduais de educação, quando ocorrem, ficam no papel e por que milhares de cidades e dezenas de estados ainda não têm seus planos municipais e estaduais de educação seguidos à risca ?
Porque ainda hoje há redes escolares onde os diretores de escolas são nomeados por políticos, onde as escolas não têm autonomia pedagógica, onde a gestão dos recursos da educação é ferramenta para desvio e para corrupção, como revelado pela Controladoria Geral da União-CGU ao analisar contas municipais do FUNDEF entre 1998 e 2006, onde os orçamentos da educação não refletem as necessidades apontadas pelas escolas na busca do desempenho escolar de qualidade.
A experiência do Recife com a Escola Municipal da Iputinga serviu para nos mostrar que não são necessários contratos com grupos privados para que se patrocine o uso de " apostilas e diretrizes únicas " orientadoras do fazer pedagógico em sala de aula. Muito menos se fez necessário a transferência da gestão para entes alheios ao cotidiano escolar e das comunidades, como se pais, alunos, associações de moradores, o comércio local, a igreja, as entidades culturais e esportivas do bairro e a vida real da comunidade pouco importassem na elaboração do projeto pedagógico e na consolidação do Conselho Escolar como expressão desse gesto de construir a escola com a própria comunidade. Na verdade, nada mais autoritário do que negar o direito e a possibilidade da comunidade pensar o fracasso escolar e buscar formas de superá-lo, transferindo-se esse desafio para entidades e/ou intelectuais " de fora ".
O fato é que a escola democrática pode forjar novas formas de exercício da democracia e do poder popular, uma ameaça ao status quo vigente, num país de tradição oligárquica, de parlamentos e campanhas tuteladas pelo capital e pelo assistencialismo, de gestões fiscais e macroeconômicas determinadas pelos interesses superiores do capital financeiro, em nome da "responsabilidade fiscal", da "estabilidade das contas públicas " e da "solvência " da dívida pública para os credores.
O atraso e o fracasso escolares podem ser superados, desde que se assuma o compromisso de fazer com que as normas construídas no debate desde 1988 sejam assumidas como desafio da prática escolar e das gestões escolares em cada cidade e em cada estado.
Por isso, mais uma vez, expressamos nosso sempre entusiasmado aplauso a todos que construiram o sonho da escola de qualidade com gestão democrática na Escola Municipal da Iputinga, em Recife, nos anos 90 no século XX. O sonho é necessário e sua construção uma possibilidade concreta.
Basta-nos fazer valer a vontade política e administrativa para tal.
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