quarta-feira, 2 de abril de 2008

A REPÚBLICA DAS EMPREITEIRAS VIROU O IMPÉRIO DOS BANCOS



"O Banco Central é o pilar deste festival bancário. Sustenta uma escandalosa
taxa de juros primária. Já anunciou que não continuará reduzindo a taxa. Como é
sabido, a tesouraria dos bancos têm como lastro principal os Títulos de Dívida
Pública e, quanto mais famílias brasileiras sejam atraídas pelo endividamento,
maiores serão os seus lucros."


O Blog reproduz em hora oportuna ( anúncio de lucros astronômicos dos bancos, reajustes nas tarifas de serviços bancários etc, etc etc )o artigo abaixo, de autoria do Professor Carlos Lessa.Boa leitura e boa reflexão, pois nem tudo se resume ao PAC ou ao crescimento do PIB.

A República dos Empreiteiros virou o Império dos Bancos

Carlos Lessa

No começo deste outubro, o banco espanhol Santander - no Brasil adquirente
do antigo Banespa - já havia anunciado que assumira o controle do Banco Real, de
um grupo privado nacional, que no passado foi adquirido pelo Banco ABN-Amro.
Holandês. Os jornais registram que, em valores de ativos, a nova "filial" do
Santander no Brasil superaria o Banco Itaú e a Caixa Econômica Federal, sendo
superada apenas pelo Banco do Brasil e pelo Bradesco. Contudo, em matéria de
depósitos, o banco espanhol superaria o Bradesco.

No dia 10 deste mês, grupos espanhóis conquistaram a concessão de seis
dos sete trechos rodoviários colocados em licitação. Pouco depois, alguns jornais
noticiaram que o BNDES iria financiar 70% dos investimentos que estes grupos
comprometeriam para recuperar a rodovia e explorá-la empresarialmente.

Quando cheguei à idade da razão, no início dos anos 50, o Brasil havia
optado por integrar o mercado interno com base em uma rede rodoviária planejada
pelo Plano Rodoviário Nacional. Para seu financiamento, foi realizada sua vinculação
com o antigo Imposto Único sobre combustíveis e derivados. Pouco depois, JK, sob
a consigna de 50 anos em cinco, instalou no Brasil a indústria automobilística.
Fiquei emocionado quando o presidente desfilou no primeiro Fusca nacional. Sabia
que as autopeças eram produzidas por empresas brasileiras e que apenas a
montadora era uma filial alemã. Também na década de 50, foi decidido apostar
pesadamente na hidroeletricidade.

Não apenas o Brasil dispunha de imensos potenciais aproveitamentos, como também, sendo escasso o petróleo, havia intenção de uma matriz energética predominantemente renovável. Houve quem dissesse que, a partir dessa década e nos 20 e tantos anos subseqüentes, o Brasil seria a República dos Empreiteiros. Surgiram gigantes empresariais nacionais que dominaram a tecnologia de instalação de infra-estrutura nos trópicos.

Além do mais, se desenvolveu o cálculo de concreto armado e a produção nacional de
máquinas e equipamentos requeridos pela infra-estrutura. As empreiteiras podiam
pensar a longo prazo, pois os impostos sobre combustíveis e energia elétrica
garantiam projetos plurianuais. Obviamente havia uma simbiose entre a construção
pesada e a ordem política, porém era virtuosa, pois o negócio era o crescimento da
economia e o Brasil crescia a 7% ao ano.

O neoliberalismo acabou com aquela República. Desvinculou os impostos,
desmantelou as equipes de projetamento do longo prazo, retirou o
desenvolvimento da pauta política. Optou pelo Império dos Banqueiros. Nos últimos
25 anos o Brasil tem uma irrisória taxa de crescimento na América do Sul, apenas
superior ao Haiti. Por outro lado, os bancos que operam no Brasil são campeões de
lucratividade e crescem aceleradamente. É isto que levou o Santander a optar por
uma tomada do espaço econômico brasileiro. Outros grupos estrangeiros estão
ávidos pelo mercado de crédito pessoal no Brasil.

Por exemplo, o Citibank oferece crédito pré-aprovado para ser liquidado em 36 meses com juros de 4,1% ao mês, e sublinha que, com a linha, melhora os endividados que estão pagando 13% de juros ao mês no cheque especial ou no cartão de crédito. Quem aplica nos bancos,quando muito, recebe 1% ao mês. Além do mais, com a astúcia bancária, naquela oferta o Citibank se reserva "o direito de alterar a taxa a qualquer tempo e sem comunicação prévia".

O Banco Central é o pilar deste festival bancário. Sustenta uma escandalosa
taxa de juros primária. Já anunciou que não continuará reduzindo a taxa. Como é
sabido, a tesouraria dos bancos têm como lastro principal os Títulos de Dívida
Pública e, quanto mais famílias brasileiras sejam atraídas pelo endividamento,
maiores serão os seus lucros. Em um plano menor, empresas espanholas, com
financiamento brasileiro favorecido, passarão a lucrar com os pedágios.

Em resumo, no futuro, todos os anos o Brasil remeterá dividendos para a
Espanha, quer pelas concessionárias de serviços de infra-estrutura, quer para o
banco Santander. Simultaneamente, os brasileiros pagarão juros escandalosos
quando se endividarem com os bancos, e o país como um todo seguirá pagando
impostos - inclusive a CPMF prorrogada - não para construir infra-estrutura para o
desenvolvimento, mas para remunerar, com conforto, os ativos bancários e atrair
moeda estrangeira que sirva para sustentar as remessas futuras de dividendos.
Antigamente, quando um negócio era maravilhoso, se falava em "negócio da
China". Os investidores espanhóis devem estar substituindo a expressão por
"negócio do Brasil".

Não resisto a contrastar o tempo neoliberal com o passado recente em que o
Brasil crescia e gerava emprego para nossos filhos. Com os nossos impostos foram
construídos milhares de quilômetros de estradas federais e instalada uma
importante capacidade de geração de energia elétrica. Em tempos neoliberais, já
vivemos um apagão elétrico e paira no ar a ameaça de uma réplica; nossas
estradas estão esburacadas, impondo fretes elevados e registrando um nível de
acidentes assustador.

O argumento neoliberal para privatizar enfatiza que, assim,elas serão bem mantidas. A falácia é que o governo federal hoje se recusa a gastar os R$ 5 bilhões necessários para a boa manutenção da rede rodoviária existente e,ao mesmo tempo, renuncia a prosseguir com novas obras importantes. A razão da recusa é que o Tesouro recolhe os impostos, encaminha-os à "caixa-preta" da execução orçamentária e prioriza o pagamento dos juros da dívida pública, enquanto o Banco Central realiza a política de pagar juros repugnantes aos detentores desses títulos e permite qualquer juro cobrado ao brasileiro endividado.

O país não cresce e, ao invés de gerar expectativas de um futuro melhor para
juventude, está se convertendo num país envelhecido que "exporta" para o exterior
seus jovens em busca de um emprego.

O Império dos Banqueiros não prioriza o desenvolvimento, seu foco é o
crescimento dos lucros bancários. O número excessivo de acidentados nas rodovias
e os 140 mil jovens que estão abandonando o Brasil exigiriam outro tipo de
focalização. O Brasil, ao colocar no pedestal os interesses dos bancos, é ideal para
o banco estrangeiro.
Não é à-toa que o presidente da República foi recentemente festejado na Espanha como tendo feito "tudo que era certo".

Carlos Lessa é professor titular de Economia Brasileira do Instituto de Economia
da UFRJ e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) (endereço eletrônico: carlos-lessa@uol.com.br). Escreve
mensalmente, às quartas-feiras, no jornal Valor Econômico.

Este texto foi publicado no dia 24 de outubro de 2007.

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