domingo, 27 de abril de 2008

JUROS E INFLAÇÃO *

Por Paulo Rubem Santiago

* O blog reproduz o artigo de Paulo Nogueira Batista Jr., publicado na 4a. feira, dia 24 de abril, na "Folha de São Paulo", Caderno "DINHEIRO".

Boa leitura, boa reflexão, boa ação.

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Os juros mais altos aumentam o custo da dívida pública, concentram renda e agravam a exagerada valorização do real
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PEÇO AO leitor licença para voltar ao tema dos juros e publicar hoje um artigo um pouco mais técnico. Há uma razão para mudar o registro. É que os defensores dos juros altos costumam se refugiar no argumento de que é deles o monopólio do saber técnico. Os críticos da política monetária seriam economistas desencaminhados ou pessoas politicamente motivadas -"populistas", em suma, que não conhecem a importância do combate à inflação e o papel dos juros.

Vamos reconhecer, primeiramente, a parte de verdade que existe nesse argumento. Qualquer banco central que se preze deve se preocupar com a inflação, especialmente em países com passado monetário tenebroso, como o Brasil. E a taxa básica de juro é o principal instrumento de que dispõe o banco central para controlar a inflação. Com um regime de câmbio flutuante, o aumento dos juros reduz a inflação basicamente por dois canais: a) via desaceleração da demanda interna; e b) via apreciação cambial. Há uma terceira via de influência, mais incerta ou especulativa, que é o efeito sobre expectativas.

Ao desacelerar a demanda interna, o aumento dos juros reduz a pressão sobre os preços dos "non-tradeables", isto é, dos bens e serviços que são determinados domesticamente pela interação entre oferta e demanda. Ao provocar apreciação cambial, juros mais altos diminuem os preços dos "tradeables", isto é, dos bens e serviços importados ou exportáveis, cujos preços em reais refletem essencialmente os preços internacionais e a taxa de câmbio.

Além disso, se o banco central dispõe de boas credenciais antiinflacionárias, o aumento do juros levaria os agentes econômicos a adaptar rapidamente a sua política de preços a uma menor inflação esperada. A rápida reversão das expectativas tornaria o remédio praticamente indolor -os preços e a taxa de inflação se ajustariam à taxa de juro com pouco efeito sobre as quantidades, isto é, sobre o produto real e o emprego. Isso num mundo ideal. A experiência sugere que a política monetária indolor é uma quimera acadêmica.

Em outras palavras, juros mais elevados costumam cobrar o seu preço em termos de crescimento da economia e desemprego. Normalmente, o efeito antiinflacionário se faz sentir quando ocorre a redução da demanda interna, deprimindo as vendas e a produção. Ou seja: as quantidades se ajustam antes dos preços. Enquanto isso, o efeito antiinflacionário da apreciação cambial induzida pelos juros mais altos se traduz em perda de competitividade dos setores que exportam e dos que competem com importações no mercado interno. O produto e o emprego acabam prejudicados pela contração da demanda, pela perda de dinamismo das exportações e pela substituição de produção doméstica por importações.

A subida dos juros atinge não só o consumo mas também o investimento privado, componente da demanda que cria capacidade produtiva e, portanto, oferta no futuro. Ao diminuir a oferta, a política monetária apertada solapa a sustentabilidade da expansão econômica e o produto potencial, isto é, reduz a taxa de crescimento compatível com controle da inflação e uma posição sustentável de balanço de pagamentos. Infelizmente, os problemas não param por aí. Os juros mais altos elevam o custo da dívida interna e desajustam as contas governamentais.

Concentram a renda, pois beneficiam a minoria de privilegiados (brasileiros e estrangeiros) que são credores diretos e indiretos do governo. E, como se isso tudo não bastasse, contribuem para agravar a valorização do real, ameaçando recriar o problema da vulnerabilidade externa no médio prazo.



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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

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