quarta-feira, 4 de junho de 2008

Um ano e meio depois, PAC ainda patina; em 2008, só 18% da verba foi paga



04/06/2008 - 07h00
Da edição da "Folha de São paulo" on line.

Um ano e meio depois, PAC ainda patina; em 2008, só 18% da verba foi paga

Ana Sachs e Vicente Toledo Jr.*
Em São Paulo

"O Brasil tem uma informatização das contas públicas que muitos países do primeiro mundo não têm. É uma questão conjuntural, não tem nada a ver com a administração pública. Faltam recursos para investimentos, muitas vezes em infra-estrutura ou até hospitais e escolas, mas sobram recursos para executar a política monetária. Então, é uma opção do atual governo"

(Álvaro Guedes, Doutor em Administração Pública e Professor da UNESP )


Um ano e cinco meses depois de seu lançamento, o Programa de Aceleração do Crescimento ainda patina. Embora o governo federal venha inaugurando obras em ritmo alucinante nos últimos meses, a sua execução ainda caminha a passos de tartaruga. Com recursos liberados a conta gotas, a maioria das ações propostas demora a sair do papel, e o esperado "empurrão" na economia vai ficando para depois.

Nesta quarta-feira, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a "mãe" do PAC, divulgará um novo balanço do programa em Brasília. Deve anunciar resultados superiores aos registrados no mesmo período do ano passado, mas ainda longe do que pode ser considerado razoável para um programa tratado como prioridade máxima do segundo mandato do presidente Lula.

Segundo levantamento realizado pela ONG Contas Abertas, até o último dia 28 de maio haviam sido liberados 18% dos recursos autorizados no Orçamento Geral da União de 2008. Ou seja, R$ 2,9 bilhões de um total de R$ 15,8 bilhões, uma média de R$ 8,1 milhões por dia. Para investir todo o dinheiro previsto para este ano, o governo teria que liberar algo em torno de R$ 43,2 milhões diários.

Para Álvaro Martim Guedes, doutor em administração pública e professor da Unesp (Universidade do Estadual Paulista), a dificuldade de execução do PAC pelo governo não é nenhuma surpresa. "O Estado não tem essa agilidade para fazer [essas obras] no volume e no prazo pretendido", ponderou, lembrando que obras exigem acompanhamento e pessoal capacitado, o que o governo muitas vezes não tem.

Já Nelson Marconi, especialista em administração pública da FGV e da PUC de São Paulo, diz que o problema está no modelo de gestão adotado pelo governo, uma "herança" do PT. "Precisamos de um modelo de gestão mais orientado para a obtenção de resultados", afirmou, defendendo a eliminação das "amarras" no processo de liberação de verbas com maior controle das contas públicas pela sociedade.

Em comparação ao ano passado, a execução orçamentária do PAC cresceu em 2008. Nos primeiros cinco meses de 2007, o governo federal havia investido R$ 1,4 bilhão, apenas 8,5% dos R$ 16,6 bilhões previstos para o ano todo. Em dezembro último, o programa completou um ano gastando 27,3% do que pretendia (R$ 4,5 bilhões). Somando os pagamentos de restos do orçamento de 2006, a fatia cresceria para 44,3% (R$, 7,3 bilhões), mas ainda não alcançaria sequer a metade do investimento programado (confira todos os gastos detalhados do governo federal com o programa em 2007 no infográfico especial preparado pelo UOL em parceria com o site Contas Abertas).

Os valores empenhados (reservados para cobrir os gastos autorizados no orçamento) também cresceram de um ano para cá. Até o fim de maio, eles totalizavam R$ 3,6 bilhões, cerca de R$ 800 milhões a mais do que no mesmo período do ano passado. Uma justificativa para a "pressa" é a legislação eleitoral, que impede o governo de fazer novas reservas orçamentárias depois do dia 30 de junho. Se não garantir o dinheiro até lá, o governo só poderá fazê-lo em setembro, por isso, corre contra o tempo.

"Normalmente, a execução orçamentária é feita segurando os recursos no começo do ano e soltando mais para o fim, para fazer caixa", revelou Marconi. "Isso é um problema porque atrasa a obra, e a própria empresa que executa a obra já sabe que vai receber atrasado e coloca esse atraso no preço. A lógica orçamentária precisa mudar, essa previsão ela tem que ser real, não uma coisa fantasiosa", explicou.

Mais do que uma questão burocrática, Guedes credita essa lentidão à subordinação do governo à política monetária. "O Brasil tem uma informatização das contas públicas que muitos países do primeiro mundo não têm. É uma questão conjuntural, não tem nada a ver com a administração pública. Faltam recursos para investimentos, muitas vezes em infra-estrutura ou até hospitais e escolas, mas sobram recursos para executar a política monetária. Então, é uma opção do atual governo", analisou.

No último balanço divulgado pelo governo, em janeiro, a ministra Dilma Rousseff disse que 86% das obras estavam dentro do cronograma, versão contestada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) com base nos atrasos na execução orçamentária. Além disso, os auditores inspecionaram mais de uma centena de obras e descobriram que boa parte de seus gestores nem sabia que elas faziam parte do PAC. Procurado pela reportagem do UOL, o ministro Benjamin Zymler, relator do processo, disse que o tribunal está preparando um novo relatório sobre as contas do programa e só poderá se pronunciar a respeito depois de sua divulgação.

As obras muitas vezes não saem do papel também por um "choque de interesses" dentro do próprio governo, como o episódio das licenças ambientais, que levou ao desgaste e à saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente. "Como o Estado chama para si responsabilidades às vezes contraditórias, como a de fazer o investimento e a de controlar o meio ambiente, e uma se choca com a outra, acaba emperrando e não sai mesmo", comentou Guedes.

Nos últimos dois meses, os números mostram uma aceleração no ritmo de liberação das verbas, ainda que tímida. Mas esta evolução poderia ter sido ainda maior não fosse pelo atraso na aprovação do Orçamento Geral da União para 2008, que só aconteceu no dia 25 de março. Sem autorização para novos gastos durante os primeiros meses, o governo federal limitou-se a desembolsar R$ 2,8 bilhões para pagar compromissos assumidos no ano passado, os chamados restos a pagar. Dos 16,6 bilhões autorizados no OGU de 2007, cerca de R$ 12 bilhões (mais de 70%) não foram gastos e ficaram para este ano.

Diante desse cenário, muito pouco ou quase nada do bom momento da economia podem ser creditados à "aceleração" promovida pelo PAC. Para Álvaro Guedes, os bons indicadores econômicos do país se devem mais ao dólar baixo, que incentiva as exportações, e ao cenário econômico favorável. Já Marconi enxerga um reflexo do programa no crescimento, ainda que pequeno.

"Isso logicamente está ajudando a economia a crescer, contrata mais pessoas, começa obras, tudo isso tem um impacto grande sobre o nível de atividade", disse, lembrando que o PAC, sozinho, não vai resolver os problemas de infra-estrutura do Brasil. "Vai ajudar, mas não resolver. Tem que complementar com o estímulo do setor privado", disse.

"Querer resolver problemas locais ou regionais a partir de gabinete de Brasília fica muito difícil. O caminho seria que não fosse o Estado que cuidasse dessas obras, mas a criação de mecanismos de atrair a iniciativa privada a investir", finalizou Guedes.

* Com informações do Contas Abertas

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