domingo, 4 de maio de 2008

GRAU DE INVESTIMENTO: LIÇÕES DOS ANOS 70 E DA ERA FHC


Por Paulo Rubem Santiago


Vamos insistir no debate sobre a concessão do "Grau de Investimento" ao Brasil por parte de uma agência internacional de classificação de riscos.

Longe de expressarmos uma posição pessimista quanto a isso, partimos da obrigação pública, como parlamentar, de olharmos para a história, analisarmos situações similares e de sermos capazes de desenhar cenários, apontando avanços e/ou, se necessário for, as devidas cautelas para que não nos embriaguemos com a febre de investimentos que, a partir de agora, possam acontecer no País.

Começaremos recordando a conjuntura dos anos 70. Em plena ditadura o mundo vivia um excedente de poupança privada, oriunda dos petrodólares, devido à explosão dos preços dos barris de petróleo. Com tamanhas reservas em moeda depositadas nos principais bancos da Europa e dos Estados Unidos buscava-se uma forma de emprestar tais reservas de modo a permitir sua multiplicação.

Daí gerou-se o mote "PAÍS QUE NÃO SE ENDIVIDA NÃO CRESCE", situação que se encaixou como uma luva para aquelas nações que não dispunham de poupança interna para alavancar seus investimentos, sobretudo em infra-estrutura.
Nesse contexto os países mais pobres, sobretudo da América Latina, se lançaram num pesado processo de endividamento externo, ocorrendo até mesmo contratos de endividamento negociados com juros flutuantes, tamanha a vontade de se captar dólares para se promover o crescimento dessas economias periféricas.

Anos depois, apertado pela crise de suas finanças internas, os Estados Unidos alteraram a relação dólar-ouro( o dólar só era emitido como moeda em função das reservas de ouro depositadas nos EUA) e assim as taxas de juros norte-americanas subiram aceleradamente, arrastando as taxas de juros dos contratos de empréstimos internacionais. De lá para cá sabemos o peso que a dívida externa tomou nos países que haviam mais se endividado.

Agora parece-nos que a euforia está de volta. Cercados de afirmações entusiasmadas, os comentários de alguns economistas privados e de parlamentares do PT exaltam a "responsabilidade fiscal" presente na gestão macroeconômica do governo LULA ( que passou anos seguindo à risca a política de FHC, manteve elevado o superávit primário, pagou mais de R$ 850 bilhões só de juros para os detentores locais e estrangeiros dos títulos da dívida pública, cujo estoque hoje chega a mais de R$ 1,5 trilhão de reais).

Bem, com a sociedade arcando com o financiamento dessa política "responsável", privada em sua maioria de saneamento, educação básica de qualidade, habitação com dignidade e saúde idem, fica fácil ser responsável para a banca financeira às custas dos impostos e contribuições pagos pela maioria dos brasileiros.

Essa é a verdade.

Por receio de afrontar os interesses do mercado financeiro, por receio de perder a "governabilidade no Congresso", o governo LULA bancou políticas de promoção da distribuição de renda e dos investimentos sociais sim, mas, ao contrário, transferiu valores astronomicamente maiores e para segmentos consideravelmente menores da sociedade,como por exemplo, 20 vezes mais receitas para os detentores dos títulos da dívida pública que engorda 20.000 famílias e grupos do que pagou de Bolsa-Família para 11 milhões de famílias mais pobres.

E mesmo nas áreas sociais a execução dos orçamentos de alguns ministérios não consegue ser efetivamente inclusiva nem plena, embora o governo deixe, sim, sua presença inscrita onde antes não havia nada.

Fazemos essas observações não com a intenção de agir enquanto oposição ao governo, como afirmam, certas vezes, alguns petistas, mas por entendermos que esse governo reuniu a maior base social, de esquerda e de massas, já vista na história da democracia republicana brasileira e que, por isso, teria condições de fazer muito mais, indo além do que vem fazendo.

Lembremo-nos da era FHC, da luta dos tucanos e demais neoliberais contra o que chamavam de "estado obeso, pesado, caro e ineficiente para a sociedade".

Alardeou-se que com as privatizações teríamos imensos investimentos externos, alavancando-se a economia, crescendo-se o PIB, os empregos e a renda dos brasileiros.

Repetiu-se exaustivamente que sem as estatais deficitárias o déficit público cairia e o estado se concentraria nas funções consideradas essenciais.

FHC fez aquele que foi considerado o maior programa de privatizações do mundo num só governo, estimando-se a alienção de uns R$ 100 bilhões de ativos estatais.

Em seus oito anos de governo patinamos num PIB cujo crescimento médio anual foi de 2,5%, reduzimos o Estado e a dívida pública saltou de 33% para 59,6 % do PIB, com o estoque dessa dívida interna em títulos saltando de R$ 60 bilhões para R$ 720 bilhões.

Pois pergunta-se :

-Para onde foram os bilhões da venda dos ativos estatais ?
-Para onde foram os bilionários investimentos privados estrangeiros ?
-Se aconteceram, por que o PIB não deu um salto entre 1995 e 2002 ?
-Qual o grau de desnacionalização de nossa economia a partir daí ?

Quando na oposição o PT e seus deputados, alguns dos quais hoje eufóricos com o "Grau de Investimento" recebido por nosso País, criticavam duramente a era FHC, suas privatizações e motes econômicos.

Ao imaginarmos o cenário pós-grau de investimento poderemos pensar(ou especular)os seguintes desenhos:

1. Investidores internacionais ainda ausentes do país procurarão aqui os melhores investimentos para remunerar seu capital;

2. Ao fazê-lo partirão para caminhos e opções mais seguros e rentáveis, preferencialmente à curto prazo( empresas ) ou a médio e longo prazos ( fundos de pensão, com compromissos atuariais também de médio e longo prazo);

3. Alguns investidores poderão optar pela aquisição de empresas nacionais, aumentando a desnacionalização da economia, tomar parte em consórcios para disputa de negócios em infra-estrutura, parcerias público-privadas, podendo ainda entrar na área financeira(bancos)propriamente dita.

Depois disso, qual será o grau de dependência de nossa economia junto a esses investimentos estrangeiros ?

Caso aumente o fluxo de dólares para o país haverá algum controle da entrada desses capitais, como ocoreu no Chile e na Malásia ?( ver em SICSU,JOÃO em EMPREGO, CÂMBIO E GLOBALIZAÇÃO, Editora Campus, Elsevier, RJ, 2006)

Quem acertar que a bola da vez para uns e outros novos investidores será na área dos títulos públicos ganhará um refrigerante e um cachorro quente. Isto porque pagamos os mais altos juros do mundo e, ainda, dispensamos a taxação de IR para os ganhos dos aplicadores.

Vale salientar, inclusive, que depois dessa medida( a não incidência do IR para os investidores estrangeiros em títulos ),aumentou para quase 40% o total de detentores estrangeiros dos títulos emitidos, quando antes não chegávamos a 10%,.

Bem, com mais dólares entrando no país maior será a queda do preço dessa moeda no mercado interno e , consequentemente, maior será a valorização do real.

Os exportadores registrarão perdas na conversão de suas exportações, a não ser que efetivamente deixem os dólares recebidos por essas transações lá fora, esquentando-os ( os dólares ) em outros negócios(paraísos fiscais, como já ocorre hoje com 80% das remessas ao exterior feitas por brasileiros).

Já os investidores, ao transformarem os reais ganhos aqui em novos dólares para os remeterem aos seus países e matrizes, comprarão mais dólares do que aqui haviam investido.
Esse mecanismo afetará, sem duvida o saldo no balanço das transações correntes feitas pelo país(governo, pessoas físicas e empresas )em relação ao cenário exterior, basta ver que já estamos com déficit na balança comercial, registrando remesses recordes de lucros das empresas estrangeiras.

Bem, a princípio é bom sabermos que mais investimentos estrangeiros poderão ser feitos no Brasil a partir desse "Grau de Investimento" obtido pelo País.

Entretanto, é preciso muita cautela e precisão para analisarmos cada modalidade de investimento, seus reflexos na economia interna, nas contas nacionais, na soberania decisória do governo e das empresas brasileiras frente a esse cenário.

Nesse sentido sempre será bom e sincero esclarecer o custo de nossas atuais reservas cambiais já que alguns petistas dizem que agora a relação real/dólar é verdadeira, e não artificial, como na paridade do tempo de FHC.

Um elevado percentual dos dólares que entram no país aqui chegam motivados pelas elevadas taxas de juros pagas nos títulos públicos.

Além disso, estima-se que mais de 60% dos dólares de nossas reservas cambiais tenham sido comprados no mercado pelo Banco Central. Não são dólares conseguidos com as exportações.

Ao fazê-lo, para retirar de ciculação os reais pagos por esses dólares, em seguida,são emitidos títulos públicos, cujos juros para remunerá-los são, em média, os juros da taxa SELIC, 11,75 %. Os dólares das reservas são aplicados em outras praças a juros de menos de 5%. Quem arca com essa diferença ? O tesouro nacional.

Ora, o tesouro não arca com nada.

O tesouro nacional é para onde vão as receitas dos impostos e contribuições pagos pela sociedade ao governo.

Quem arca, portanto, com esse custo, é a sociedade, numa carga tributária regressiva(pagam mais os que tem menos) e predominantemente indireta ( maior o peso de impostos sobre o consumo do que sobre a renda, o lucro e o patrimônio ).

Para polemizar e deixar mais um registro histórico desse momento segue abaixo a nota editada pelo PT com os comentários de alguns de seus dirigentes.

Com essa nota cabe perguntar se no governo FHC, com a propaganda da avalanche de novos investimentos após a realização das privatizações, diriam o mesmo ?

Por que não chamaram de "responsável" a gestão fiscal de FHC, em cujo governo aprovou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal e a supremacia do superávit primário na gestão das contas públicas ? O governo de FHC estava certo ? Os petistas estavam errados naquela época ?

Não. Segundo nossos projetos, objetivos e valores, o Governo de FHC estava errado e os petistas estavam certos naquela época mas parece-nos que estão, agora, com as vistas turvas, eufóricos com o "Grau de Investimento" repetindo chavões da era FHC, de Meirelles e outros economistas que se ufanam em defender certas modalidades de "responsabilidade fiscal" promovida às custas da maioria da sociedade, incluída no pagamento de impostos e excluída no avanço majoritário dos gastos públicos.

O blog sugere uma consulta aos pronunciamentos desses e de outros petistas, no site da Câmara, nos anos de FHC e, como sugestão de leitura, o excelente " A SUPREMACIA DOS MERCADOS E A POLÍTICA ECONÔMICA DO GOVERNO LULA", Organizado por Ricardo Carneiro, Editora UNESP, SP, 2006.

Boa leitura, boa reflexão, bom passatempo para todos.

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" Parlamentares petistas destacaram nesta sexta-feira que a solidez da economia brasileira, sustentada no absoluto controle das contas internas e externas e no crescimento econômico com distribuição de renda, é a responsável pelo desempenho do País no cenário internacional. Graças a essas condições, o Brasil obteve a elevação a país com grau de investimento, concedida na quarta-feira por uma das maiores e mais respeitadas agências de risco do mundo, a Standard & Poor's . Com isso, o Brasil foi colocado no seleto grupo de nações com economia sólida o suficiente para receber recursos dos maiores investidores internacionais.

Na avaliação do líder da bancada do PT na Câmara, deputado Maurício Rands (PT-PE), o reconhecimento internacional decorre do fato de o governo Lula ter associado políticas de regime de metas de inflação, câmbio flutuante, programas sociais e indução ao desenvolvimento econômico do País. Agora, o Brasil colhe os frutos desta política “séria e responsável”, com a obtenção do grau de investimento, que vai “ gerar muito mais desenvolvimento e empregos no País", afirmou. “ Essa avaliação internacional é a comprovação de que a política macroeconômica do governo está correta”.

Rands destacou que os programas sociais do governo Lula ampliaram o mercado de consumo interno e aqueceram a economia. E, simultaneamente, vêm ocorrendo grandes investimentos em infra-estrutura, logística, energia, e o próprio Programa de Aceleração do Crescimento. “Isso tudo-- disse Rands – vem sendo implementado com muita responsabilidade fiscal, o que possibilitou não só o aumento da confiança externa no Brasil como também um novo papel do País como grande player internacional".

Redução de Juros - Na avaliação do deputado José Genoino (PT-SP), o grau de confiança concedido ao Brasil é histórico. Segundo ele, a notícia deverá promover mais crescimento econômico e possibilitará redução na taxa de juros interna.

"Essa avaliação internacional é altamente positiva. À medida que a economia se estabiliza, há uma tendência natural de que os juros diminuam, mas não podemos ficar fazendo alarme toda vez que o Copom se reunir para definir a taxa de juros, pois isso deve ocorrer em um processo natural. O fundamental neste momento é que o Brasil tem uma oportunidade histórica no cenário mundial", comentou Genoino.

Ele disse que esse deve ser mais um motivo para que o País aperte o passo e continue promovendo crescimento com distribuição de renda. "O que temos de fazer agora é manter os pés no chão, continuar com os investimentos em infra-estrutura e manter os programas sociais. Temos um enorme potencial de produção de alimentos, produção de biocombustíveis e uma matriz energética rica e limpa", destacou.

Especulação – Para o deputado Carlito Merss (PT-SC) "a decisão da Standard & Poor's é resultado de uma política econômica responsável. Mesmo com uma crise internacional, acredito que esse grau de investimento vai proporcionar condições para redução da taxa de juros no País. Na minha avaliação, essa é uma das maiores vitórias dos cinco anos do governo Lula", afirmou.

Em relação ao temor de certos setores de que haveria uma apreciação ainda maior do real diante do dólar, a partir do ingresso de novos investimentos, Merss observou que o desempenho da moeda brasileira frente à norte-americana agora corresponde à realidade. “Se a economia melhora, como tem ocorrido no governo Lula, é natural a valorização da moeda”.

Carlito recordou que durante o primeiro mandato de FHC (1994-98), houve paridade do real frente ao dólar, de modo totalmente artificial. Por isso, em 2002, já no segundo mandato da coligação PSDB-ex-PFL o dólar explodiu, chegando a quase R$ 4. No governo Lula, com o câmbio flutuante, “ o valor do dólar agora é real, não é artificial e nem especulativo”.

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