terça-feira, 20 de maio de 2008

UMA FRÁGIL SUDENE TENTA RENASCER


por Tânia Bacelar*

Criada por Juscelino, em dezembro de 1959, extinta por Fernando Henrique Cardoso em 2001, por simples Medida Provisória, a SUDENE tenta renascer desde o início do Governo Lula.
No início de seu Governo, o novo Presidente instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial, que tive a honra de coordenar, para propor a recriação da instituição. Respeitada pelo seu passado e pela contribuição que deu ao desenvolvimento da região, a primeira reação a essa iniciativa foi positiva. Todos pareciam querer ver sua volta. O tempo foi revelando que as aparências encobriam uma outra verdade: não há, na região e nem fora dela, apoio suficiente para o retorno de uma SUDENE forte.

Em início de agosto de 2003, quando do envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei Complementar que instituía de novo a SUDENE, reunião concorrida, na sede do Banco do Nordeste, parecia sinalizar apoios suficientes a um renascimento consistente, apesar das travas iniciais colocadas pelo Ministério da Fazenda a maiores ousadias. Compreendia-se: a crise fiscal aguda era uma barreira a ser transposta pela sociedade brasileira e a “nova” SUDENE precisava entender que renascia num contexto difícil.

A primeira ducha fria veio na Câmara dos Deputados, ainda em 2003. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, uma fonte de recursos constitucionais, portanto estáveis, que irrigaria os cofres da SUDENE, foi, numa triste madrugada, negociado pelo então Ministro Palocci com os governadores das regiões menos desenvolvidas, inclusive os do Nordeste. Os recursos que dariam o start na SUDENE recriada foram transformados numa espécie de Fundo de Participação dos Estados ( FPE) adicional , rateados entre os Estados. Desde então as coisas ficaram mais claras: o apoio à SUDENE era meramente formal, frio, distante, desalentado...

O Projeto de Lei Complementar vagou anos no Congresso, foi e voltou entre a Câmara e o Senado – apesar dos esforços do combativo deputado baiano Zezéu Ribeiro.

Finalmente, em 3 de janeiro de 2007, a Lei Complementar 125, cheia de vetos presidenciais, é sancionada. Reinício melancólico. Esvaziada de recursos e de prestígio, os patrocinadores que restam vão sofrer para viabilizar seu quadro de pessoal – outro precioso recurso e uma das forças da primeira SUDENE: de Celso Furtado a experientes técnicos em desenvolvimento como Nailton Santos, Chico de Oliveira e tantos outros. A primeira SUDENE se fez respeitar pela qualidade de seu quadro de pessoal, pela sua organização, pela lisura com que tratava o dinheiro público, pelo entusiasmo que movia sua equipe em defesa de um projeto de transformação do Nordeste. Hoje, em meio a mil restrições e sem sustentação política e social, pouco se pode esperar do decreto que vai finalmente reorganizar a estrutura da “ nova” SUDENE.

A pergunta que não quer calar: porque o quadro atual é esse? De onde vem o descaso pela instituição que tanto fez pela região? Instituições são como pessoas – têm seu tempo histórico – e desde que mortas, devem ser enterradas e veladas, nunca ressuscitadas?

O caso da SUDENE parece afirmar que sim. Por enquanto, tenho algumas hipóteses para esse frágil renascer. A mais forte é uma constatação simples: os tempos mudaram. O Brasil mudou. A SUDENE parece pertencer aos velhos tempos em que o Brasil era a China de hoje: industrializava-se a passos rápidos, ampliando desigualdades regionais e sociais. O tamanho do hiato que restou entre o Nordeste e o Sudeste/Sul - que pensei ser suficiente para soerguer a SUDENE – se esconde por trás de uma nova conjuntura, que se revelou desmobilizadora.
Hoje, a economia brasileira cresce pouco e o motor paulista não tem mais a pujança de outrora, donde a sensação de perda da sociedade nordestina – muito intensa no final dos anos cinqüenta do século XX – não se faz sentir com a força suficiente para mobilizar apoios a uma SUDENE nova e forte.

Hoje, as políticas sociais, como a extensão da Previdência ao meio rural (da Constituição de 1988) ou o Bolsa Família, na dimensão que tomou no Governo Lula, colocaram um manto de proteção sobre os mais miseráveis e atenuam o quadro social gravíssimo que ainda marca a realidade regional. Com o consumo popular em crescimento, embora em níveis mínimos, a realidade fica menos agressiva do que era nos tempos que precederam a primeira SUDENE.

Tempos de proletarização rápida e mobilização camponesa na zona da mata, de desemprego em massa na têxtil invadindo as periferias urbanas da região, e se não bastasse, tempos de mais uma grande seca (a de 1958) , solapando as condições de sobrevivência no semi-árido. Tempos de movimento estudantil organizado e atuante e de avanço da presença da Igreja progressista. Tempos de governadores apoiados pelas forças populares e adversários abertos das velhas oligarquias chegando ao poder no Nordeste. Tempos que levaram ao golpe militar de 64 e ao lento e gradual esvaziamento da SUDENE.

Hoje, os tempos são outros. Os governadores dos estados da região, um dos principais esteios de um órgão regional de coordenação como a SUDENE, ainda estão vivendo os restos da era da “ guerra fiscal”, onde prevaleceu a equivocada cultura do “ cada um por si”. Perderam a “ visão regional”, com raríssimas exceções.

Portanto, nos tempos atuais não parece haver ambiente para uma SUDENE forte. O futuro dirá se resta ainda espaço, mesmo para essa que vem surgindo, claudicante e desamparada.


* Artigo Publicado na Revista Nordeste por Tania Bacelar de Araújo, Economista e Sócia da CEPLAN.

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