sexta-feira, 16 de maio de 2008

Justiça social e organização do orçamento



Por Paulo Rubem Santiago

Pois é. Vamos voltar a tratar do tema do orçamento público.
Não tem jeito.
Esse assunto mexe com cada um de nós da hora em que acordamos até a hora de, tentarmos ,sonhar.
Pagamos impostos na compra do colchão, na conta de luz, nas sandálias que calçamos antes de dormir, na energia usada no chuveiro quente ou mesmo no sabonete usado no banho no banheiro que fica do lado de fora da casa, nas casas mais simples.
Pois é.
O blog traz a vocês, tirada lá do baú de 2007, matéria do colaborador em nossas reflexões, o professor JOÃO SICSU, agora no IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Ministério do Planejamento), Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de vários livros, entre eles "EMPREGO, JUROS E CÂMBIO", da Editora Campus.

Um economista que não escreve para si mesmo nem de forma chata.

Pois bem, vejam agora o que SICSU escreveu em agosto do ano passado.

Ah, prestem atenção.

Além de mexer com a vida da gente todo santo dia, os temas do orçamento passam por nós, também, quando são votadas as leis do orçamento, que são três.

O Plano Plurianual-PPA ( para cada quatro anos de governo, com projeto de lei respectivo sempre analisado no 2o. semestre do 1o. ano de cada governo), a Lei das Diretrizes Orçamentárias-LDO, cujos projetos de lei são sempre analisados e votados no 1o. semestre de cada ano de governo e a Lei Orçamentária Anual-LOA, com projetos analisados e votados sempre no 2o. semestre de cada ano de governo.

É na discussão desses projetos, nas Câmaras Municipais(para as cidades), nas Assembléias Legislativas(para os estados) e no Congresso Nacional(para o país) que se dá a disputa pela divisão das receitas públicas.

Por isso as elites financiam campanhas eleitorais. Para quando chegar o momento de se debater orçamento público as classes mais ricas terem seus representantes ali colocados, para defenderem mais dinheiro público para obras, contratos e serviços que representem seus interesses comerciais e econômicos em geral.

E tem ainda aqueles que, vez por outra, são flagrados praticando corrupção para assegurar dinheiro público para seu bolso ou para seus negócios.

Pois bem, vejam a matéria publicada no jornal "VALOR ECONÔMICO", DE 29 DE AGOSTO DE 2007, de autoria do professor SICSU.

E, mais uma vez, boa leitura, indignação produtiva e boa ação.
Segue a matéria.
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Justiça social e organização do orçamento

29/8/2007

Artigo - João Sicsú
Valor Econômico


Nos tempos modernos, onde vigora o capitalismo e a democracia, o Estado é um prestador de serviços à sociedade que o constituiu. Portanto, necessita de recursos. Alguns serviços são necessários para organizar a sociedade de forma civilizada; outros serviços são necessários porque promovem justiça social. Entre os primeiros, destaca-se a prestação do serviço de segurança pública realizado através do aparato policial. Por outro lado, a justiça social deve ser alcançada, por exemplo, através do acesso amplo e irrestrito dos indivíduos a sistemas de saúde e educação de alta qualidade. Impostos, taxas e contribuições são, portanto, uma necessidade da vida civilizada.

Há diferenças, por vezes substanciais, de ganhos que conformam as rendas dos indivíduos que vivem em sociedade. O ponto de partida para a promoção da justiça social é a alíquota contributiva cobrada de cada indivíduo. Está consagrado que aqueles que ganham mais devem pagar alíquotas superiores àqueles que ganham menos.

Assim, é através de alíquotas diferenciadas que sacrifícios para o pagamento de impostos podem ser equalizados. Logo, um imposto com alíquota única não é socialmente justo porque estabelece um sacrifício menor àqueles que ganham mais. É reconhecido também que a melhor forma de diferenciar alíquotas é através do imposto direto sobre a renda e sobre o patrimônio. Os impostos indiretos sobre mercadorias de uso generalizado como o leite, por exemplo, que possuem a mesma alíquota para todo e qualquer consumidor, são injustos porque sacrificam demasiadamente os menos afluentes relativamente aos mais ricos.

O outro canal de promoção da justiça social está na forma do gasto da arrecadação realizada. Contudo, a justiça social deve ser entendida através de um conceito amplo. É muito mais do que o lema do Robin Wood: tirar dos ricos para dar aos pobres.

Justiça social é mais do que um conjunto de mecanismos de transferência de renda.

Em uma sociedade democrática e com uma economia de mercado, a justiça social desejada é a instituição pública que oferta segurança de vida com qualidade para todos, sem qualquer distinção de idade, de condição (formal ou informal) no mercado de trabalho, de condição física, racial, social ou religiosa.

Os gastos públicos devem ser feitos de modo a atender a todas as necessidades de uma vida individual e social com alta qualidade. Devem ser realizados para gerar empregos para todos aqueles que desejam trabalhar, mas também devem ser feitos na forma de programas de pagamentos monetários àqueles que estão desalentados para sempre, ou seja, que foram colocados à margem do mercado de trabalho de forma definitiva. Mais do que isso: devem prover a todos desde o básico para a sobrevivência em uma sociedade civilizada - como o acesso a sistemas de saúde e educação sofisticados - até gastos com alimentos para a "alma" dos indivíduos, tais como programas culturais.

O gasto público deve ser, em resumo, voltado para garantir qualidade de vida para todos: todos devem ter o direito de ter acesso a tudo.

Gastos públicos devem ser feitos de modo a atender a todas as necessidades de uma vida individual e social com alta qualidade

Faz-se justiça social também impedindo a constituição de mecanismos que geram oportunidades diferenciadas. Diferenças de rendas devem ser aceitas até certo grau, diferenças de riqueza e patrimônio também. Mas acessos e oportunidades diferenciadas não podem ser aceitos. A instituição da justiça social deve impedir a emergência de mecanismos que geram privilégios como, por exemplo, a transferência de heranças em magnitude capaz de fazer um indivíduo se diferenciar dos demais não por sua capacidade, mas sim pela capacidade de seus antepassados.

A promoção da justiça social é um ato de investimento permanente do Estado na sua sociedade, portanto é um ato de investimento da sociedade nela mesma. Isto implica que o orçamento público não pode ser contabilmente dividido, de forma míope, em gastos correntes e gastos de investimento. Gastos de investimento seriam apenas os gastos em ativos que constituem a infra-estrutura de um país, tais como estradas e ferrovias. E gastos correntes são todos os gastos para fazer funcionar a "máquina" pública, tais como o pagamento de salários ao funcionalismo, gastos com material escolar etc.

Esta divisão está absolutamente incorreta porque o Estado investe em infra-estrutura (estradas, ferrovias), mas investe fundamentalmente em indivíduos, investe em qualidade de vida. Portanto, a divisão deve ser outra. Todo o gasto com atividades fins deve ser considerado investimento. E todo o gasto que sustenta as atividades fins deve ser considerado gasto corrente. Por exemplo, o salário de um médico não pode ser rubricado como gasto corrente. Gasto corrente seria o gasto com salários de funcionários administrativos do Ministério da Saúde. O gasto com a realização de um grande concerto público de música clássica não pode ser considerado gasto corrente, isto é, investimento em milhares de indivíduos.

Esta reorganização orçamentária teria implicações.

Governos que adotassem essa metodologia orçamentária deveriam buscar reduzir os gastos correntes em relação aos gastos de investimento, sem prejuízo destes, porque isto representaria aumento da produtividade da máquina pública, o que é plenamente desejável. Cortar gastos correntes, como querem os conservadores, sem mudar a metodologia orçamentária, significa retirar do Estado o seu papel original. Afinal, o Estado é uma criação da sociedade para beneficiá-la, para mantê-la organizada, para trazer segurança social para suas famílias, para garantir segurança social para a coletividade. É para isso que indivíduos recolhem impostos, contribuições e taxas. Cortar gastos correntes sem mudar a organização do orçamento, como querem os conservadores, pode até auxiliar a tornar o orçamento equilibrado, mas a sociedade estará em permanente estado de desequilíbrio porque não haverá qualidade de vida.

João Sicsú
é professor do Instituto de Economia da UFRJ e autor do livro "Emprego, Juros e Câmbio" (Campus-Elsevier, 2007).

É também co-autor e organizador do livro "Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?)", Boitempo Editorial, 2007. Website: www.ie.ufrj.br/moeda/sicsu

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